quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Canção do Exército - Amor febril pelo Brasil!


Nós somos da Pátria a guarda,
Fiéis soldados,
Por ela amados.
Nas cores de nossa farda
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.

Em nosso valor se encerra
Toda a esperança
Que um povo alcança.
Quando altiva for a Terra
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.

A paz queremos com fervor,
A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada
For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor.

Como é sublime
Saber amar,
Com a alma adorar
A terra onde se nasce!
Amor febril
Pelo Brasil
No coração
Nosso que passe.

E quando a nação querida,
Frente ao inimigo,
Correr perigo,
Se dermos por ela a vida
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.

Assim ao Brasil faremos
Oferta igual
De amor filial.
E a ti, Pátria, salvaremos!
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.

A paz queremos com fervor,
A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada
For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

K9: segurança na web para tua família!

Muitas pessoas, principalmente pais de família, preocupados com a segurança e pureza dos seus, preocupam-se, com muito motivo, com o acesso à internet. Realmente, a epidemia de conteúdo imoral na web, como nas ruas, está cada vez mais crescente.

Pensando nisso, recomendo aqui um ótimo programa para segurança familiar na web, realmente eficaz para que os pais de família possam ter um controle real sobre o que os seus vêem na tela do computador.

Coloco abaixo um pequeno tutorial de instalação e configuração do K9 Web Protection.

O tutorial é de autoria do Dicastutorial.com com modificações minhas.




Se tua família é "obrigada" a ter um computador com internet, proteja teu lar com esta ótima ferramenta!

************************************

  1. Acesse o site oficial do K9 Web. Preencha os dados para adquirir a licença gratuita. Nome, sobrenome e endereço de e-mail corretos. Após preencher clique em “Request License”. O K9 possui dois tipos de licença: "Para casa (for your home)" e "Para empresas (for your organization)". A licença para uso em casa e computadores pessoais é gratuita.
  2. Acesse a caixa de entrada do teu e-mail que usou no cadastro e veja o e-mail enviado pela K9, caso não esteja procure na caixa de spam. Ao abrir este e-mail clique em “Download” para baixar o programa. E guarde o teu "Protection license" informado no mesmo e-mail.
  3. Depois que terminar o download faça a instalação. Vai chegar em um ponto de colocar a licença de usuário, então coloque o código que recebeu em seu e-mail (Protection license). Também deve colocar uma senha de acesso para as configurações do programa, mas nunca esqueça esta senha, pois para desinstalar o K9 é preciso desta senha também.
  4. Após terminada a instalação, reinicie o computador. Quando reiniciado, temos que configurar o programa para que funcione de acordo com nossas opções de bloqueio e segurança. Para tal acesse as configurações do programa em: Menu iniciar > Todos os programas > Blue Coat K9 Web Protection > Blue Coat K9 Web Protection Admin. Ao clicar, abrirá a tela de configurações do programa em um navegador. Clique em então no retângulo SETUP, digite a senha configurada, e entre na tela de configuração do K9.
  5. Vamos bloquear os sites por categoria, em “Web Categories to Block” você deve selecionar a opção “Custom” para customizar as categorias. Desmarque as categorias que você não quer que o programa bloqueie. Por exemplo para desbloquear o youtube você deve desmarcar a opção “Media Search”. Após configurar as categorias clique em “Save”.
  6. Se você quiser permitir ou bloquear um site especifico entre em “Web Site Exceptions”, Always Block para bloquear um link (site) e Always Allow para permitir. Coloque o link e clique em “Add to list”. Acessando “URL Keywords” você pode bloquear termos e palavra específicas presentes em links. A dica nesta função é colocar o maior número possível de termos ruins que possam aparecer em um link. Em “Times Restrictions” pode-se editar os horários em que os sites serão bloqueados.

    Essas são as configurações básicas do K9 Web, espero que você aproveite o programa e mantenha a segurança de sua família.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A Família e o Matrimônio - Cronin

Inquestionávelmente, numa grande cidade, o médico tem muitas ocasiões de conhecer o avesso do casamento. Antes, quando eu clinicava na província do norte e nas aldeias mineiras do País de Gales, encarava com respeito infinitamente maior a instituição da família. Naquelas remotas zonas, onde seus habitantes trabalhavam juntos para extrair da terra ou das minas o necessário à subsistência, a família era o principal elo da comunidade, existindo e sobrevivendo graças à sua própria indispensabilidade. Em Tannochbrae, sobretudo, pais e filhos levantavam-se igualmente cedo e assumiam cada qual a sua determinada tarefa: uns cuidavam do gado, outros ordenhavam as vacas, aravam e destorroavam os campos, faziam pão, cozinhavam, enlatavam conservas, escoavam o chão e enxaguavam a roupa em meio aos vapores e à árdua faina da faxina semanal. Havia um senso de dever nessa vida rude e simples e também um forte sentimento religioso, o qual se manifestava na reunião noturna para as preces familiares. Os divertimentos eram raros, embora não menos apreciados, e apesar de suas óbvias austeridades, a família tinha suas compensações e satisfações próprias, vivia intimamente unida, era quase indissolúvel.

Mas em Londres o quadro mudara por completo. Ali todas as conveniências, prazeres, distrações, e excitações oferecidas por aquela vasta concentração metropolitana de uma suposta civilização, exerciam forte influência corruptiva sobre o lar. Essa coesão inata que, em comunidades mais atrasadas, conserva intacto o grupo-família, ia desaparecendo tristemente, em conseqüência do que, em muitos exemplos por mim presenciados, a família simplesmente se dissolvia.

Com as cortes metropolitanas de divórcio em franca atividade, inúmeros casos dolorosos de casamentos desfeitos foram por mim observados. Considerando a miséria, os filhos desgarrados e desiludidos, os amargos rancores e ressentimentos, a caótica confusão resultante da maioria dos divórcios, a situação parecia-me tão calamitosa, que eu costumava perguntar a mim mesmo com freqüência, como era possível que, diante de Deus, pessoas equilibradas pudessem aceitá-la.

Indubitavelmente, a causa principal do rompimento de tantos matrimônios é o fato das pessoas passarem ao estado de casadas de maneira tão leviana, tão impensada, levando uma concepção tão absolutamente falsa do significado real e do objetivo do casamento. Por infelicidade, todavia, a noção da atração sexual como base primordial do matrimônio, embebida de um romantismo doentio e adoçada com a falsa promessa de uma eterna lua de mel, tornou-se parte integrante do ideal moderno. A atração física tem seu lugar no casamento – na maioria dos casais felizes que conheci, essa atração prolongou-se durante vinte, trinta e até quarenta anos. Mas há outras qualidades infinitamente mais importantes do que uns lábios de rubi, uns olhos cintilantes ou a muito decantada tez cor de pêssego. A áspera estrada da vida exige roupagens mais resistentes do que um negligée de pura seda, e os pés que a trilharem devem usar calçados mais fortes do que um par de sapatinhos de salto alto. O amor à primeira vista é uma perigosa ilusão; nada mais verdadeiro do que aquele velho rifão que diz: “Casa-te às pressas que terás muito tempo para te arrependeres.” Se apenas metade dos jovens que, ao primeiro embalo amoroso, se atiram nos braços uns dos outros, pudesse ser educada de acordo com essas realidades, quantas dessas tristes decepções pós-nupciais lhes seriam poupadas.

Esse imortal personagem que é o Vigário de Wakefield, em sua observação inicial aproxima-se muito dessa questão: “Escolhi minha mulher, diz ele, como ela escolheu o seu vestido de noiva: pelas qualidades de duração”. Não – notem bem – porque ela fosse uma nova Afrodite. Na minha Escócia natal, tantas vezes alvo de críticas humorísticas, o namoro é considerado algo muito importante. Os namorados devem sair juntos durante vários anos, aprendendo a conhecer-se num constante companheirismo, discutindo o futuro com pormenores, economizando cada qual o seu dinheiro, fazendo preparativos para a vida em comum, de modo que quando, após esse período de experiência, afinal se casam, fazem-no sobre uma sólida base de compreensão e de respeito, e não tem que enfrentar nenhum dos perigos que com tanta freqüência estragam os primeiros tempos do matrimônio.

Sem dúvida os primeiros meses de qualquer casamento são os mais difíceis. Passada a excitação da cerimônia nupcial, arrefecidos os enlevos da lua de mel, em geral os recém-casados recaem na realidade com um duro e inesperado solavanco. Não estão habituados a viver juntos, nem tem ainda a maturidade ou a experiência necessária para se adaptarem a uma rotina que bruscamente os coloca diante das inevitáveis realidades da vida – problemas econômicos e domésticos, dúvidas e dificuldades relacionadas com o sexo, os parentes, a religião, e até mesmo incipientes irritações mútuas diante dos hábitos pessoais de cada um. Supunham que tudo o que tinham que fazer para conseguir a felicidade eterna era casar-se. Ambos haviam construído um brilhante castelo de expectativas. E que encontravam agora? Apenas uma pilha de pratos engordurados na pia da cozinha, um leito por fazer, a batida da porta do apartamento após o beijo perfunctório do jovem marido que sai correndo para alcançar o ônibus da cidade. Nesse instante a vida de repente parece transformar-se em algo azedo, mofado, intoleravelmente enfadonho. É então que esse insidioso pensamento pode nascer no subconsciente de cada um dos esposos: teria eu acertado ao dar este passo fatal? Não estaria hoje melhor se tivesse conservado a minha liberdade?

Num sujo apartamento de dois cômodos de uma rua suburbana de Bayswater conheci um casal assim. Tinham-se casado havia um ano, mas já então, desiludidos pela feiúra do ambiente que os cercava, pelas limitações impostas às suas ambições pessoais, e pelos freqüentes atritos de seus temperamentos, tinham decidido que era tempo de se separarem. Ele era arquiteto – jovem inteligente que em vez de continuar seu trabalho numa grande firma de construtores, onde desenhava plantas de pequenas habitações suburbanas geminadas, resolvera ir terminar seus estudos em Roma e queria construir uma imponente, uma monumental catedral. Ela, de posse de um diploma de colégio e apaixonada pela arte, não ficava atrás em sua feroz determinação de abandonar os odiosos misteres de cozinheira, lavadeira e passadeira e ir levar uma vida mais completa e mais livre na Rive Gauche em Paris. Cada qual por seu lado me confiou suas intenções com uma acerba intensidade que se tornava ainda mais patética pelo fato de ambos se amarem realmente. Não se pode avaliar que loucuras teriam cometido. Mas felizmente a natureza interveio e como médico pude informá-los  de que dentro de pouco tempo iriam ter um filho. Essa contingência de todo inesperada chamou-os a si, fê-los compreender suas responsabilidades e, como havia nos dois uma grande soma de bondade, obrigou-os a começar vida nova. São hoje pais de quatro filhos e conquanto ele não tenha conseguido a sua catedral italiana nem ela obtido um lugar de honra em Louvre, lograram ambos vencer as dificuldades dos primeiros tempos, prosperaram financeiramente e construíram uma bela e confortável casa própria.

Não resta dúvida que os filhos são os melhores esteios do casamento – as estatísticas demonstraram que a maior porcentagem dos divórcios ocorre entre casais sem filhos. O aparecimento de uma criança na família produz uma sensação de realização, de plenitude, nos pais jovens. Une-os mais intimamente pelos laços de uma nova solidariedade, cria novos interesses, dá-lhes uma oportunidade, um objetivo – o de formar um indivíduo que honrará a sociedade e a eles próprios. Não se enganem – as crianças não são criaturas de todo angelicais, “caídas do céu”, prontas para curar todas as aflições paterna e aplanar os conflitos de toda a família. Em geral o nascimento de uma criança transtorna a ordem doméstica tanto de dia como de noite, perturba o equilíbrio entre o marido e a mulher, cria novos riscos, novos problemas e novos receios. Mas a criança vale cem vezes mais que tudo isso. Quão sábios são os casais que redimem a má sorte de uma união estéril por meio do generoso processo da adoção! Os maridos que evitam as responsabilidades da paternidade, as esposas que se negam a exercer as funções de mãe, estão prostituindo a condição de casados.

Na minha Universidade, quando me formei, tínhamos um velho professor escocês de medicina que costumava dar à sua classe este conselho de despedida: “Agora que estão formados, rapazes, tratem de casar-se. Tenham filhos. Façam deles criaturas bonitas, fortes e sadias. E eduquem-nos de maneira a que possam honrá-los.” Era um velho sábio, conhecer das esparrelas e armadilhas do mundo, e punha em prática o que pregava – tinha um filho que se tornou, mais tarde, um dos mais famosos médicos da Europa.

Semelhante atitude mental exige que o casamento e a família sejam levados a sério. Temos que trabalhar, e trabalhar muito, para conseguir as alegrias e satisfações que nos vem da vida de família. Temos que aprender a adaptar-nos, a enfrentar reveses e privações nada fáceis de suportar, a desenvolver a compreensão e o auto-controle, a praticar as silenciosas virtudes da paciência e do sacrifício pessoal. Quantas vezes defrontei-me com exemplos desse heroísmo, com atos de coragem e de dedicação, praticados sem alarde, como que em surdina, e que no entanto dariam para encher volumes tal a eloqüência com que falavam sobre a força, a riqueza e a beleza das malhas com que são tecidos os laços familiares. Conheci uma esposa que sofreu durantes meses, sem um murmúrio, as dores e os riscos de uma enfermidade, recusando-se a contar ao marido para não preocupá-lo enquanto ele cuidava de determinados negócios de importância vital para o seu futuro. Em outra ocasião fui chamado para atender a uma senhora, viúva e mãe, que passara literalmente fome até suas forças se exaurirem quase que de todo para economizar um dinheiro extraordinário com o qual seu filho, inteligentíssimo, pudesse formar-se pelo Trinity College. E com que nitidez me recordo do moço que veio me chamar para atender ao parto de sua mulher... primeiro filho. Quando ele abriu nervosamente a carteira no meu consultório, dois cartões caíram casualmente sobre a minha mesa. Eu os apanhei. Eram cautelas de penhor. Muito confuso, explicou-me que naqueles últimos tempos tivera que trabalhar apenas meio dia e por isso empenhara o relógio para pagar o depósito correspondente aos meus honorários. Disse-lhe imediatamente que isso não era necessário, que ele poderia pagar-me quando a situação melhorasse. Depois perguntei-lhe com curiosidade:

- E a outra cautela?

Ele mostrou-se ainda mais embaraçado e por fim confessou-me com voz entrecortada que no dia seguinte sua mulher faria anos. Não poderia, de maneira alguma, deixar passar em branco o seu aniversário. Empenhara então suas condecorações de guerra para comprar-lhe um presente – um brochezinho de prata.

É sobre semelhantes exemplos de solicitude e de renúncia que se edifica um lar. Nele não há lugar nem para o homem nem para a mulher egoísta e personalista. O casamento não é uma jornada alegre. Mas aqueles que não fogem às suas responsabilidades, que enfrentam as dificuldades e as vencem, colherão uma preciosa recompensa no aconchego e na intimidade da vida de família, na alegria de uma casa que não é apenas um lugar onde se dorme, nos interesses comuns, no consolo e nos prazeres de um lar unido. Se falo sobre isso com tanto sentimento, devo-o à felicidade que meu próprio casamento me trouxe, ao golpe de sorte que me deu uma esposa tão bem formada graças à educação que recebeu; tão paciente; dotada de tanta capacidade de renúncia e tão inteligente; acima de tudo, tão fiel em todas as vicissitudes de nossa convivência de trinta anos, que a vida sem ela agora seria inconcebível.

Muitas vezes me pediram para citar a virtude mais necessária à segurança de tão perfeita união. Sem dúvida, a resposta é: a lealdade. A pior ofensa que se pode fazer contra o casamento, o rochedo contra o qual a felicidade da família em geral se despedaça, é a infidelidade. São por mais numerosos – ai de nós! – os exemplos em que o nível da moralidade se rebaixa. A infidelidade é uma ordinarice, uma desprezível traição à confiança mútua, o mais vil dos pecados que figuram no livro dos malfeitos humanos.

Mas há outras deslealdades que, embora menos óbvias do ponto de vista material, são ao seu modo tão perigosas quanto a outra. Na minha clínica conheci uma família – mãe, pai, filho adolescente e filha – na qual, apesar das condições de prosperidade e do excesso de boas coisas que a vida lhes oferecia, reinava uma constante e latente desarmonia. A esposa era, sem dúvida alguma, uma mulher virtuosa. A mais leve insinuação de que pudesse ainda que remotamente vir a ser infiel ao marido teria sido por ela repudiada. Todavia, da manhã à noite seu desejo inconsciente parecia ser diminuir o esposo aos olhos dos filhos – alçando as sobrancelhas, trocando olhares irônicos com o filho ou a filha quando ele fazia uma observação ingênua, aparentando de certo modo criticar-lhe as opiniões, os trajes e até mesmo o físico.

Essa inerente deslealdade é do mesmo modo manifestada pelas esposas que falam mal do marido por trás dele, bem como pelos maridos que lastimam junto a outras mulheres do quanto são incompreendidos, e que para serem consolados por um amigo, um parente, ou uma mãe, contam-lhes tristes histórias desta ou daquela injustiça, dizem-se vítimas de extravagâncias, ou de crueldades, e em suas mútuas acusações correm toda a lista dos defeitos humanos que cada qual enxerga no outro mas é incapaz de reconhecer em si próprio.
Não há união que possa sobreviver a tais condições; uma casa dividida contra si própria jamais poderá manter-se em pé. Essas pessoas deviam calar-se, sorrir, se possível, cada qual das falhas do outro, esforçando-se por sufocar no riso esse horrível ressentimento que, aumentado e deformado, faz de João um monstro e de Maria uma bisbilhoteira sem coração. Nada contribui mais para o equilíbrio da família do que um pouco de sendo de humor.

Lembro-me muito bem de uma noite, nos primeiros meses de meu casamento. Eu voltava para casa, ou melhor, para os miseráveis cômodos que ocupávamos em Tregenny, naquela atrasada aldeia galesa onde eu começara a trabalhar e tentava formar uma clínica. Estava deprimido, preocupado com um caso difícil, morto de cansaço após um dia de trabalho estafante debaixo de chuva e varado de fome. Seria capaz de comer um boi inteiro. Mas em vez disso, minha jovem esposa delicadamente apresentou-me um único ovo quente. Com grande esforço consegui controlar-me e quebrei o ovo. Estava podre. Diante disso, tudo desabou. Comecei a soltar todos os nomes e pragas que conhecia. Ao que minha esposa, que de sua parte também tivera um dia cheio de tribulações, rebateu ao pé da letra. O bate-boca ia de mal a pior até que de repente, quando a coisa estava no auge, detivemo-nos de chofre, olhamos um para o outro com os olhos injetados, e realizando o absurdo daquela cena, disparamos a rir e caímos nos braços um do outro. Restabelecia a harmonia, tomamos o trem rumo à próxima aldeia que ficava a dez milhas de distância, lá embaixo no vale, saboreamos uma satisfatória Cia de faggots – que em galês equivale a salsicha – e fomos ao barracão coberto de zinco onde funcionava o cinema ver Charlie Chaplin em O Garoto. O que poderia ter sido um trágico rompimento, acabou numa alegre reconciliação, tudo porque duas criaturas jovens tinham suficiente compreensão para apreciar o lado cômico de um ovo podre.

Uma afável tolerância contribui muito para que as rodas da vida familiar girem suavemente e, principalmente quando somos mais velhos, a prática dessa hábil diplomacia à qual poderíamos denominar a arte da indulgência mútua, produz verdadeiros milagres. Se seu marido começar a ficar careca, a ofegar ligeiramente quando sobe uma escada, não faça comentário sobre esses brutais sintomas da passagem de anos. E se sua mulher principia a engordar – prenúncio de que a tão temida meia-idade se aproxima – diga-lhe em tom convincente que a sua gordura a tornou mais atraente do que quando você se apaixonou por ela. Se seus filhos são barulhentos e pouco asseados, se se sentam à mesa sem lavar as mãos ou deixam marcas de pés no assoalho recém-encerado, procure obter deles um comportamento melhor sem perder a calma nem recorrer ao expediente de “botá-los para fora com berros”. Um pouco de generosidade, um ligeiro estímulo, às vezes dão mais resultado do que cem chineladas.

A ternura a bondade são poderosos fatores na promoção da união e da estabilidade da família. Mais forte do que tudo, entretanto, é a necessidade de alguma manifestação do espírito religioso. Sem dúvida já vão longe os tempos em que a Bíblia era lida em voz alta em todos os lares. É possível também que a imagem de uma criança murmurando suas preces no colo de sua mãe seja encarada hoje por muitos com a irrisão com que se contempla um cromo sentimental do tempo antigo. Mas no lar em que os valores espirituais não forem até certo ponto respeitados, a família estará inevitavelmente fadada à dissolução. Nem só de pão vive o homem. A família que não buscar no Alto a sua inspiração nunca irá por diante. “A Família que se une para orar, permanecerá sempre unida”.


Desde o início dos tempos, o desejo fundamental do homem tem sido possuir uma companheira, ter filhos, poder dar-lhes abrigo, calor e alimento, protegê-los contra os perigos com que o mundo os ameaça. O advento do cristianismo  serviu para santificar e enobrecer esse impulso primitivo. E daí por diante, através dos séculos, a família tem-se conservado em lugar de relevo, não só na defesa da moralidade, como na evolução da cultura humana. Onde quer  que ela prospere e demonstre vigor e unidade, aí se encontrará uma sociedade sadia e sólida. Numa era de medo e de inquietude, em que o homem, cercado por forças hostis, sente-se perdido na mais negra solidão, é a família a sua maior, a sua derradeira esperança... da qual dependerá a sua autopreservação, a manutenção da dignidade humana e da decência da vida.

Pelos Caminhos da Minha Vida - A. J. Cronin

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Discurso de Plínio Salgado no Centenário da Batalha de Riachuelo

O sopro suave da Caridade cristã em Cronin

Nós a havíamos visto pela primeira vez em Loughram Street, apanhando água num chafariz público com uma criança nos braços – um robusto bebê de nove meses, amarrado por um xale esfarrapado aos seus ombros franzinos. Seu nome era Rose Donegan e devia andar pelos quatorze anos. Tinha cabelos ruivos e profundos olhos azuis que não sei por que pareciam imensos em seus rostinho sério. Três outros garotinhos, cujas idades variavam entre cinco e nove anos, penduravam-se à sua saia e uma certa semelhança de traços bem como o mesmo tom vermelho de seus cabelos revelavam serem todos Donegans.

O contraste entre a sujeira do seu aspecto e o intrépido brilho de seu olhar, despertou-nos, a mim e meu amigo Hugh, a curiosidade. Começamos por dar-lhe bom dia e, depois de algum tempo, essa saudação arrancou-lhe um grave e tímido sorriso de resposta. Aos poucos – pois sua reserva não era fácil de vencer – fomos nos tornando amigos.

Soubemos então que Rose, os três garotinhos e o Michael, o pequerrucho de braço, tinham perdido a mãe havia oito meses. Viviam com o pai, Danny Donegan, num porão do superlotado viveiro humano de Loughram Street. Danny, que trabalhava de vez em quando nas docas, era um sujeito fraco mas de índole extremamente bondosa. Falava macio e vivia cheio das melhores intenções, gastando todavia a maior parte do seu tempo e do seu dinheiro ali perto mesmo, no Shamrock Bar. Assim, pois, racaira sobre os ombros de Rose o pesado encardo de cuidar da casa, mantendo limpos e arrumados os seus dois únicos cômodos, tratar do pai vagabundo, salvar o melhor que podia os restos do que ele ganhava, cozinhar e olhar as crianças.

Embora Rose dedicasse grande afeto a todos, tinha por Michael verdadeira adoração. Nas tarde de sol, quando o levava até os arredores do Phoenix Park, quase não podia caminhar com o peso do menino, mas nem por isso desanimava. Nada a desanimava. Quando a víamos passar com ar resoluto pela calçada suja e apinhada de gente, desempenhando algum serviço de rua, pechinchando com o açougueiro para obter por menor preço um pedaço de pernil, ou persuadindo o padeiro a fiar-lhe um pão extra, maravilhavamo-nos diante da sua têmpera. Rose não era cega aos olhares que lhe lançavam. Possuia a precocidade de entendimento própria das crianças criadas em cortiços – uma compreensão absolutamente natural dos rudes mistérios da vida mesclada a uma sublime inocência. Aqueles grandes olhos pensativos a brilhar em seu rostinho sujo encerravam a sabedoria de todos os tempos. Mais do que isso, porém, havia neles uma inesgotável fonte de amor.

Nosso interesse inicial por essa menina transformou-se gradualmente em profunda preocupação. Sentíamos que devíamos fazer alguma coisa por ela e, tendo por acaso descoberto que o seu aniversário estava próximo, compramos-lhe algumas roupas numa loja de O’Connell Street e demos ordem para que o pacote lhe fosse entregue. Era bom imaginá-la metida num vestido de lã bem quente, com sapatos novos, meias e tudo o que lhe faltava.

Passamos alguns dias sem vê-la, mas regozijavamo-nos só de imaginá-la decentemente trajada, indo toda orgulhosa à Missa de domingo, os sapatos novos a ranger triunfalmente ao longo da nave. Todavia, quando a vimos na segunda-feira seguinte, com grande espanto verificamos que continuava maltrapilha como sempre, levando às costas o irmãozinho envolto no mesmo xale esfarrapado.

- Onde estão suas roupas novas? Perguntou-lhe Hugh.
Ela corou até à raiz dos cabelos e respondeu:
- Foram os senhores?
E após uma longa pausa, sem olhar para nós, acrescentou simplesmente:
- Estão empenhadas. Não tínhamos nada em casa, Michael precisava tomar o seu leite.

Ficamos a olhá-la em silêncio. Iria ela sacrificar-se sempre, renunciar a tudo o que era seu em favor daquele irmãozinho? Só se eu não pudesse impedi-lo. No dia seguinte fui procurar o padre Walsh, vigário da paróquia a que pertencia Loughran Street.

Sua fisionomia iluminou-se quando lhe falei de Rose, e depois que fiz o meu pedido meditou por alguns instantes e sacudiu a cabeça em lenta aquiescência.

- Poderíamos levá-la para passar uns tempos no campo. Tenho uns amigos... os Carrolls... gente muito boa... em Galway. Mas o senhor fica encarregado de persuadi-la.
E com um sorriso de pena acompanhou-me até à porta.
- Ela é uma perfeita mãezinha, acrescentou. É essa a força que lhe enche a vida.

Uma semana mais tarde, após uma troca de cartas dirigi-me cheio de determinação para Loughran Street. As crianças estavam sentadas em torno da mesa enquanto Rose, com uma expressão preocupada, cortava em fatias os restos de um pão.

- Rose, disse eu, você vai viajar.
Ela ergueu os olhos para mim sem compreender, afastando uma mecha de cabelo que lhe caíra sobre a fronte contraída.
- Para Galway, prossegui. Apenas por quinze dias. Para uma granja, onde você não terá nada que fazer além de dar comida às galinhas, correr pelos campos e beber litros de leite.
Por um momento a esperança estampou-se em seu rosto, mas logo se apagou. Ela meneou a cabeça.
- Não, tenho que cuidar das crianças... e de papai.
- Já está tudo arranjado. As enfermeiras cuidarão deles. Você precisa ir, Rose, pois do contrário acabará adoecendo.
- Não posso, teimou. Não posso abandonar meu irmãozinho.
- Essa desculpa não serve. Você poderá levá-lo.

Seus olhos cintilaram. Mais cintilantes porém se tornaram quando no dia seguinte a metemos no trem com o irmãozinho. Quando a máquina arrancou, ela embalava o menino com os joelhos magros e murmurava-lhe aos ouvidos:

- Você vai ver as vaquinhas, Michael...

Causavam-nos um alegrão as notícias que os Carrolls nos mandavam deles. Rose estava engordando e ajudava nos trabalhos da granja. Seus próprios postais escritos com dificuldade deixavam transparecer uma felicidade que jamais conhecera antes – e terminavam invariavelmente com um entusiasmado relato de como Michael gostara da vida de campo.

As duas semanas passaram depressa. Quando estavam para terminar, estourou a bomba. Os Carrolls desejavam adotar Michael. Eram uma casal idoso, sem filhos, e de posses. Tinham-se afeiçoado ao menino e poderiam oferecer-lhe vantagens muito maiores do que as que poderia desfrutar em seu lar.

Danny, naturalmente, achou a oportunidade “estupenda”. Mas era preciso considerar Rose, e a decisão ficou dependendo dela. Nenhum de nós soube qual fora essa decisão, ou quanto lhe custou tomá-la, senão depois que voltou... sozinha.

Alegrou-se ao rever os outros irmãos e o pai, mas durante todo o trajeto da estação para casa manteve-se calada e retraída.

- Foi para o bem dele, suspirou afinal. Eu não podia servir de obstáculo à sua felicidade.

Chegados que fomos a Loughran Street, controlou-se e reassumiu o seu antigo posto. Tornara-se até mais consciente do que antes. Instado por ela, Danny assinou o termo de adoção. Parecia regenerado, mas não havia garantia alguma de que continuasse assim; todavia, enquanto não bebeu e se conservou no emprego, Rose pôde retirar do prego as coisas que empenhara, de maneira que os dois cômodos de porão tomara jeito de casa. Em alguns sábados conseguia até guardar alguns xelins na lata de chá improvisada em cofre que ficava sobre a lareira.

Chegavam boas notícias sobre os progressos do pequerrucho. Os pais adotivos de Michael não poupavam esforços para fazê-lo feliz: já se referiam ao menino como se fosse realmente filho deles. Mas eis que uma bela manhã chega uma carta diferente. Michal apanhara uma pneumonia. Rose ficou olhando para a carta com as faces lívidas e os lábios apertados. Depois encaminhou-se como uma autômata para o cofrinho de lata que estava sobre a lareira e contou o dinheiro da sua passagem.

- Vou para junto dele.

Pôs de lado todas as objeções. Pois não sabiam que ela conseguia qualquer cosia do menino – fazia-o aceitar os alimentos quando tinha febre e tomar os remédios quando estava inquieto? Bastava afagar-lhe a cabecinha e ele adormecia. Com uma expressão fixa, preparou-se para a viagem, arranjou com uma vizinha para cuidar dos outros irmãos e foi de bonde para a estação.

Nessa mesma noite, na granja dos Carrolls, não houve quem a demovesse do propósito de ser a enfermeira de Michael. Por intermédio do padre Walsh foi que viemos a saber depois o que se passou.

A moléstia fôra grave. O pior era a tosse. Com o braço servindo de apoio à cabecinha de Michael, indiferente ao perigo a que se expunha, Rose amparava-o até que os acessos passassem. Desvelou-se dia e noite junto dele.

Por fim a crise cedeu; disseram-lhe que Michael ia ficar bom. Ela ergueu-se do seu posto à cabeceira do doentinho e comprimiu a fronte com as mãos. Estava tonta.

- Agora posso descansar, murmurou sorrindo. Estou com uma dor de cabeça tão horrível...

Apanhara a doença de Michael. Mas o germe não lhe atacara os pulmões. O que aconteceu foi muito pior. Teve uma meningite pneumocócica e não chegou a recuperar a consciência. Como já disse, Rose tinha apenas quatorze anos.

Muitos anos depois fiz uma visita ao túmulo de Rose. No cemitério deserto, de chão úmido e turfoso, manso vento oeste soprava dos lados da baía de Galway, trazendo das habitações rurais caiadas de branco dos arredores, o cheiro acre da turfa queimada – o hálito, a própria alma da Irlanda. Não havia coroas sobre a sepultura rasa coberta de mato, mas, semi-oculto na relva, um pezinho de roseira-brava ostentava na ponta da haste espinhenta uma única e singela rosa branca. E de súbito, rompendo as nuvens cinzentas, o sol apareceu, iluminando com todo o seu esplendor a alva flor e a pequena lousa branca onde se lia o seu nome.

Pelos Caminhos de Minha Vida - A. J. Cronin

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Dois Pernambucanos em Alcácer Quibir


O povo português e seu herdeiro, o do Brasil, consideram agosto mês de desgosto e sua 1ª segunda-feira dia aziago, porque a 4 de agosto de 1578, numa segunda-feira, se travou nos areais de Marrocos a famosa batalha de Alcácer Quibir ou de Kass-el-Kebir, cujo resultado foi a derrota e morte do rei de Portugal, D. Sebastião, o Desejado, caindo seu reino com todos os domínios ultramarinos, inclusive o Brasil, sob o poder da coroa espanhola.

Desde uma década mais ou menos após o descobrimento do Brasil andavam os marroquinos envolvidos em contendas civis, nascidas de ambições de rivalidades dos seus príncipes. Uma delas levara à África as armas portuguesas. Reinava, então, em Marrocos a dinastia dos Sáditas ou dos Xerifes, como era mais conhecida. Em 1557, subiu ao trono Mulei Abdalá, cujos irmãos, temendo sua crueldade, fugiram para a Argélia. Eram três: o mais novo Mulei Ahmede voltou mais tarde à terra natal e nada lhe aconteceu; o mais velho foi assassinado por sicários mandados ao seu encalço e o do meio, Mulei Abde Almelique, que as crônicas lusas apelidam Mulei Maluco, destinado a espantoso fim, foi quem deu de certo modo causa àquela batalha, provocando a intervenção do monarca português na crise da sucessão do Império Xerifiano.

Foi o caso que Mulei Abdalá, ao morrer em 1574, designou como seu sucessor, contra as praxes seguidas na ordem sucessória da dinastia, um filho que tivera duma escrava negra Mulei Mohamede Almotanaquil, designado pelos cronistas lusos como Mulei Hamet. Isto desgostou muitos xeiques das tribos marroquinas, o que o irmão do xerife morto. Mulei Maluco, quis aproveitar. Tendo servido com brilho nas campanhas dos turcos, deu o Sultão ordem ao rei de Argel para ajudá-lo e prestigiá-lo. Assim, levantando janízaros e ginetários argelinos, o Maluco invadiu sua pátria pela fronteira da Argélia, venceu o tio e entrou triunfante em Fêz. Todavia, refugiado na cidade de Marrocos, Mulei Hamet decidiu continuar a luta.

Em face da mesma, pensou D. Sebastião em intervir na questão marroquina, procurando entender-se a propósito com o poderoso rei de Espanha, Filipe II. Seu grande argumento era o poderio otomano estendido até Marrocos, graças a Mulei Maluco, protegido do sultão de Constantinopla, constituindo isso grave ameaça à cristandade peninsular.

Conseguido esse apoio, levantou o dinheiro que pôde, organizou uma expedição e entreteve entendimentos com marroquinos influentes. Em fins de 1577, o xerife destronado Mulei Hamet acolheu-se à proteção dos espanhóis e correspondeu-se com D. Sebastião, que o aprazou a esperá-lo em África. O exército com que o Rei se meteu nessa temerária aventura compunha-se de 2800 mercenários tudescos, valões e holandeses, 2 mil castelhanos, 600 italianos enviados pelo Papa, um Terço de Aventureiros em que se incluíam jovens fidalgos lusos e o resto de portugueses, ao todo 17 mil combatentes, dos quais 1500 a cavalo, não se contando uns 8 mil indivíduos que faziam ofício de gastadores, carreteiros, pajens, armeiros, cozinheiros, criados, escravos e rascoas ou chinas de tropa. A artilharia numerava 36 peças de vários calibres.

Esse exército desembarcou em Arzila entre 12 e 28 de julho, chegou a Almenara de 30 para 31, e à ponte de Alcácer, além do sobreiral de Larache, sobre o rio Mocazin, a 3 de agosto. E, ao amanhecer da segunda-feira 4, defrontou as tropas do Xerife na planura de Alcácer Quibir.

Contra eles avançou dividido em três corpos de infantaria tendo ao centro o Terço dos Aventureiros, comandado por Álvaro Pires de Távora, ladeado por mangas de arcabuzeiros de Tânger. À direita, os tudescos. À esquerda, espanhóis e italianos. Ao centro, a bagagem e os não combatentes. Nas alas e coice, os terços lusitanos. Nas costaneiras, as cavalarias. O Xerife formara sua gente à maneira turca, em meia-lua, com infantaria ao centro, cavalaria e infantaria montada nas alas. A sua artilharia, 26 peças, esperava o ataque cristão emboscada numa dobra do terreno, camuflada com ramos de árvores.

A batalha travou-se ainda pela manhã e durou mais ou menos 6 horas, iniciada por uma preparação da artilharia marroquina a que só tardiamente e mal respondeu a portuguesa. Depois, foi o choque em que logo se distinguiu o bravo Terço dos Aventureiros, que entrou pelas formações inimigas com violência sem par, detendo-se, porém, à voz inesperada Ter! Ter! até hoje não explicada convenientemente. Cercados, vendem caros as vidas. Pronuncia-se, então, o desbarato do exército. Os alemães são acossados e dizimados, a artilharia tomada e os terços da retaguarda combatem frouxamente. No meio da grande confusão que se estabelece, o Rei luta como um paladino e tomba com honra, enquanto suas tropas fogem, rendem-se ou são chacinadas pelos infiéis. Esse fim deu origem à lenda do Encoberto, do rei misterioso que um dia voltaria ao seu reino. E o Sebastianismo foi a esperança dum salvador e duma salvação um dia entre os dias...

Não escapou nenhum dos três personagens reais que participaram dessa nefasta batalha. Pereceu em combate de armas na mão o soberano português. Morreu, ao finda a pugna, o xerife marroquino, que a ela comparecera numas andas em precário estado de saúde. E Mulei Maluco, ao fugir da derrota, afogou-se, tentando atravessar o Mocazin. Seu corpo foi esfolado pelos mouros e a pele cheia de palha, sendo transformado em pavoroso espantalho.

Até aqui todos que lêem um pouco de História sabem. Agora o que poucos sabem é que nessa pugna infeliz, de tão graves consequências para o destino de Portugal e do Brasil, estiveram presentes e se bateram como leões dois ilustres brasileiros. Eram eles os dois irmãos pernambucanos, naturais de Olinda, Duarte e Jerônimo de Albuquerque Coelho, ambos filhos do grande Duarte Coelho, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco e fundador daquela vila.

Jorge de Albuquerque Coelho comandava uma coluna de cavaleria. Em plena batalha, vendo o Rei tombar do cavalo derrubado por uma bala inimiga, embora gravemente ferido, desmonta e lhe entrega o seu salvando-o, assim, de ser logo morto ou aprisionado. No decurso da pugna cai com seu irmão Duarte, também ferido, prisioneiro dos infiéis. Este, que era o primogênito, não resistindo às consequências dos ferimentos e às agruras do cativeiro, faleceu no fim de dois anos, em 1580, justamente quando Jorge era resgatado a peso de ouro, aleijado das pernas e andando de muletas.

Duarte de Albuquerque Coelho era o segundo donatário da Capitania de Pernambuco. Jorge, seu irmão, mais moço, por sua morte foi o terceiro. Era homem de grande bravura e sangue frio. Em maio de 1565, viajando de Olinda para Lisboa na nau "Santo Antônio", depois de porfiado combate com um pirata francês, rendeu-se e foi largado no mar com seu navio num temporal medonho. Conseguiu animar os companheiros, vencer os elementos e, apesar de longos dias de fome e sêde, chegar finalmente a Cascais. Tinha, como se vê, um grande aprendizado de vicissitudes. E, além de herói, era escritor, tendo sido celebrado por um poeta, Bento Teixeira Pinto, na "Prosopopéia".

Deixou Jorge de Albuquerque Coelho, como seu pai, também dois filhos ilustres: Duarte de Albuquerque Coelho, Marquês de Basto, primeiro Conde de Pernambuco e quarto donatário dessa capitania, autor das Memórias Diárias da Guerra do Brasil, e o grande Matias de Albuquerque, Conde de Alegrete, general das forças brasileiras contra os holandeses na guerra de Pernambuco e general das forças portuguesas contra os espanhóis na guerra da independência ou restauração de Portugal.

São desta sorte as grandes figuras da brava gente pernambucana.

Gustavo Barroso - Segredos e Revelações da História do Brasil

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Namoradinhos


Poucas coisas me comovem mais que ver um casal de namoradinhos andando na rua de mãos dadas. O mundo, para eles, não existe: existe o outro, existe o sorriso, a mão, o olhar, as palavras sem sentido denotativo, mas com valor infinito pelo amor que conotam.

A cada geração a mesma mágica se repete; afinal, é dela que vêm as novas gerações. A cada geração, como se fossem o primeiro casal, rapaz e moça arquetípicos se encontram, apaixonam-se, dão-se as mãos e esquecem de todo o resto. Aconteceu com meu bisavô, com meu avô, comigo. Há de acontecer com meus filhos, netos e bisnetos. Faz parte da natureza humana. 

E nada, nunca, muda: cada casal se acha o primeiro, vive aquele amor como se fosse o único, como se, dando-se as mãos, voltassem à inocência primeva. Cada casalzinho ficaria chocado ao perceber que não, não são os primeiros. Que não, não é em nada diferente o que ocorre com eles e o que se vislumbra em alguma foto amarelada do avô e da avó. 

Para eles, nada há de mais belo que o outro, aquele ser que em si encerra o mundo. Minha avó, sempre ferina, dizia que “mulher não casa com carrapato porque não sabe qual é o macho e qual é a fêmea”. Mas, na verdade, não é só à mulher que o ditado se aplica, mas ao ser humano. Quantos casaizinhos vemos em que aquilo que qualquer outra pessoa qualificaria de feiura transmuta-se alquimicamente na mais pura beleza ao ser filtrado pelos olhos nublados do observador apaixonado?! No amor, o amado é sempre lindo e a amada é sempre divinal. 

É uma inserção na eternidade, sempre repetida, sempre nova, que ocorre a cada nova geração. O casalzinho que passa não é apenas novo, nem meramente antigo: é, ao mesmo tempo, ridiculamente jovem – basta ver as espinhas que eles não percebem no rosto do outro! – e pateticamente antigo, como provam os gestos, os balbucios pré-verbais, o fechamento num universo que parece ser anterior à própria Criação. É uma dessas coisas que mostram como o homem, decididamente, é um ser único, com os pés no chão e a cabeça no Céu. Capaz de viver no tempo algo completamente atemporal. 

E é nesta repetição, constante ao longo dos séculos, que a natureza humana se reafirma, se apruma e continua. Naquela beleza eterna, fechada ao resto do mundo. Naqueles apelidos ridículos, naquela dependência patética de outra criatura que nos cega à razão, nos diminui e, assim, nos eleva às raias do eterno em que nos insere. Naquele casal de namoradinhos que vai ali, de mãos dadas, atravessando a rua sem olhar. Eles são eternos. 

Carlos Ramalhete

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Mozart por Gustavo Corção


A 27 de janeiro de 1756 — faz hoje duzentos anos — nascia em Salzburgo, de uma pequena e modesta família, o menino que teria na certidão de batismo o nome de Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart. Nasceu numa casa onde se vivia da música. Aos três anos de idade, como se houvesse diligência de bem aproveitar os poucos que a sorte lhe reservava, manifesta os primeiros sinais de vivo interesse pelas lições de cravo de sua irmã. E bem depressa se vê que não se enganavam os pais na apreciação desse interesse. O menino tem fome e sede de música. Aos cinco anos compõe um minueto em sol maior; aos seis, toca violino e cravo na corte de Viena, onde se encanta pela princesinha Maria Antonieta que trinta anos mais tarde marcará, com a cabeça decepada, o fim do século e do regime. Com oito anos, Wolfgang Amadeus Mozart domina com mestria o violino, o clavicórdio e o órgão; rege concertos; compõe a primeira sinfonia, em mi maior, e escreve a primeira ópera Apollo e Hyacinthus.

Tornou-se trivial falar da prodigiosa precocidade de Mozart. História sabida, mil vezes glosada, tornou-se para nós um fato entre tantos, uma singularidade entre as muitas que a história do mundo registrou; e hoje precisamos fazer um esforço de imaginação, mobilizar capacidades esquecidas, esfregar dormências da alma, para conseguirmos a maravilhada admiração que tal prodígio merece. E antes de mais nada convém lembrar que a precocidade de Mozart difere essencialmente daquela que tantas outras crianças, com o mimetismo próprio da infância, revelam nos concertos públicos. A precocidade de Mozart é criadora. Nela se encontra a inconcebível conjugação da impressividade infantil com a expressividade varonil da obra de criação. E é esse incrível conúbio, a meu ver, que explica a misteriosa e riquíssima transparência da obra de Mozart, e que ao mesmo tempo explica a combinação, a dialética interna dessa obra de continuação e de renovação. A precocidade de Mozart não foi um mero acidente de sua carreira, nem apenas uma espécie de compensação da outra que lhe viria pela tuberculose. Foi também, e sobretudo, o elemento integrante da substância de sua música. O “Réquiem” encomendado por um misterioso desconhecido, pouco antes de sua morte, a sinfonia em sol menor n° 40, e o admirável concerto para clarineta e orquestra, em lá maior, só podiam ser escritos por alguém que acordara muito cedo para a música, isto é, por alguém que tivesse feito a extraordinária experiência de uma infância criadora. A infância, quando se materializa no adulto, quando permanece como um quisto, dá na neurose; mas quando se dilui, quando se espiritualiza, dá nessa perenidade de transparências que se encontram na música de Mozart. E assim, o menino que tão depressa deixa de ser menino pela mestria, será sempre menino pela pureza.

Nascido numa família de músicos, numa casa onde se respirava melodias e onde até o canário cantava em sol maior — o tom de sua primeira composição — dir-se-á que Mozart tinha a seu favor todas as circunstâncias para se inserir, para ser músico. Tinha-as efetivamente, mas para ser um músico que continua o ofício do pai e à maneira do tempo. Em qualquer outra criança que não se chamasse Wolfgang Amadeus Mozart, essas condições favoráveis produziriam uma fixação e dariam apenas mais um ameno compositor do século XVIII. Mas nosso Petit Prince, gênio infantil, segue as lições do pai ultrapassando-as sem sentir; imita sem saber que está renovando; obedece sem perceber que está dirigindo; adapta-se sem consciência da revolução que inicia. Ninguém é mais século-dezoito do que esse menino que havemos de ver sempre, como viu Goethe, com os cabelos empoados do ancien-régime; mas ninguém, nem a própria Maria Antonieta na guilhotina, marcou mais nitidamente o limiar dos tempos modernos. Continua Bach e prenuncia Beethoven, mas não se pode dizer que seja um elo, uma transição, um intermediário, porque nenhum outro depois dele conseguirá ser mais integralmente completo, ser mais soi-même, do que Mozart foi Mozart.

A disjunção de personalidade, que o romantismo trouxe, e que faz Cocteau dizer por blague que “Victor Hugo est un fou qui se croit Victor Hugo”, não se encontra em Mozart que é sempre idêntico a si mesmo na imensa variedade de sua obra.

A composição de docilidade e de renovação, o paradoxo da infância criadora, e até direi o momento histórico que viveu, entre o regime protecionista da aristocracia e a ânsia de uma arte desatada, tudo isso marcou a vida e caracterizou a substância de sua música. Uma fórmula nova que estava em germe na obra de Haydn será a característica da composição e do desenvolvimento mozartiano. Já foi explicada essa fórmula em termos de dualismo masculino-feminino dos temas em contraste. A mim me ocorre o termo “complementariedade” para definir o caráter dialético da composição mozartiana.
A música do imenso Bach tem o caráter de exposição, de lição, de homilia. O incomparável mestre de Eisenbach ensina, propõe, expõe. Sua obra nos deixa sentir a hierarquia. Bach compõe ex-cathedra.

Em Mozart, ao contrário, aparece a música-diálogo, a música-composição, a música-colóquio. E a idéia que deixa, ainda que se expanda em grandiosidades, é a de convivência e de intimidade. Sua obra é uma ambiência, uma vida em comum, uma conversatio musical. Muitos críticos já salientaram a predominância do cantavel na obra de Mozart. Arrisco-me a introduzir um pequeno retoque nessa apreciação dizendo que é na palavra-musicalizada, na linguagem dialogada, no colóquio de idéias sutilizadas em música que reside a característica essencial da obra de Mozart. O contraste de temas ainda não é conflito, como será em Beethoven, nem incitamento à ação, como em Wagner. É diálogo. Conversação. Comunicação dotada de misteriosa pureza e desconcertante simplicidade.

Realmente desconcertante é a simplicidade do desenvolvimento mozartiano que parece repetir-se e que nunca incide no lugar-comum da falsa simplicidade, o da simplicidade que vem da pobreza. A transparência de Mozart vem da ordenação suprema que dá aos cristais o brilho translúcido. O “ramo de Salzburgo” de que se serve Sthendal para descrever a quinta fase do nascimento do amor, nunca se cristalizou tão claro e tão cintilante como na obra desse menino que há duzentos anos nasceu em Salzburgo.

E é por causa dessa substancial e riquíssima simplicidade, e por causa do essencial caráter de diálogo, apaixonado e contido, emotivo e discreto, contrastado e cordial, que a música de Mozart resiste às interpretações que vão do comedimento “triplesec” que o crítico Nathan Broder assinalou na execução de Walter Gieseking, até a imoderação temperamental que o mesmo crítico atribui a Lili Kraus. “But the ideal Mozart piano performances”, diz ainda Nathan Broder, “in this imperfect world, are still something we shall have to dream about”.

Também eu, apesar de leigo e bárbaro, continuo a sonhar com uma interpretação ideal do maravilhoso concerto para piano e orquestra, em si bemol maior (K 595), o último que Mozart compôs, doente, triste, esmagado pela miséria, guilhotinado em movimento lento pela estupidez do mundo e pela transição dos regimes.

Celebrei o segundo centenário de Wolfgang Amadeus Mozart ouvindo sozinho, com peso na alma, esse concerto que recentemente me deram em LP tocado por Ingrid Haebler. Tecnicamente mais bem gravado do que os meus velhos discos de Schanabel, Ingrid Haebler, sobretudo no larghetto, que executa quase em andante, deixou-me a sonhar, a desejar um “Less imperfect world” em que se possa ouvir, condignamente gravado e condignamente tocado, o vigésimo-sétimo concerto de Mozart. Mas assim mesmo, malgrado a deficiência do interprete, eu pude galgar dois séculos, e estive uma hora a conversar com o luminoso menino de Salzburgo.

Fevereiro, 1956.