quinta-feira, 20 de junho de 2013

Manhã de Inverno


Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.

Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.

A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.

Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.

Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.

Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Tudo ali preparou co’os sábios olhos
A suprema ciência do empresário.

Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, — a voz serena
Acordo os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a cena.
 Machado de Assis

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Entre cedros e ciprestes...


Na noite transfigurada só ficaram os cedros e os
ciprestes.
A lua surgiu, mas como, na lembrança, um rosto
antigo explende palidamente e depois
se apagou.
O vento veio, mas como um pássaro branco de
grandes asas fatigadas: esvoaçou, lento
entre as frondes, pousou no chão e
adormeceu.
Os outros seres perderam-se no caminho dos
milênios.
Ficaram apenas os cedros e os ciprestes e, na altura,
as estrelas.
E para além dos ciprestes e cedros há só deserto e
esquecimento.

Tasso da Silveira

domingo, 9 de junho de 2013

A vida é uma batalha


"Em meu parecer, existe a abstrata verdade de que toda aquela literatura que apresenta nossa vida como perigosa e surpreendente é sempre mais verdadeira que aquela outra literatura que nos faça ver vida de forma lânguida e cheia de dúvidas. Porque a vida é uma luta e não uma conversa." (G. K. Chesterton - A Ficção como Alimento)

"O Cristão nasceu para a luta." (Papa Leão XIII)









sábado, 1 de junho de 2013

A Cantata do Café, de Bach (BWV 211)


 Tradução do Libretto:

Narrador
Silêncio, não faleis,
e ouçam o que acontece:
Aí vem o senhor Schlendrian
com sua filha Liesgen,
e ele rosna como um urso,
ouçam o que ela lhe fez!

Aria (baixo)

Schlendrian:
Não são suficientes os cem mil problemas
que se tem com os filhos!
O que todos os dias
à minha filha Liesgen digo
é totalmente inútil.

Recitativo (baixo e soprano)

Schlendrian:
Filha má e rebelde,
Ah! Quando alcançarei meu propósito,
deixa o café!

Liesgen:
Pai, não sejais tão severo!
Se não posso tomar por dia,
três xícaras de café,
ficarei, para meu mal,
mais fraca que uma cabra.

Aria (soprano)

Liesgen:
Mmm! Como é saboroso o café,
mais delicioso que mil beijos,
mais doce que o vinho moscatel.
Café, café eu preciso,
e quem quiser agradar-me,
ah! Que me sirva um café!

Recitativo (baixo e soprano)

Schlendrian:
Se não deixas o café,
não irá mais a nenhuma festa,
nem tampouco passear.

Liesgen:
Ah, tudo bem!
Mas, deixa-me o café!

Schlendrian:
Ah, pequena atrevida!
Não lhe darei saias com aros, como é a moda.

Liesgen:
Me conformo tranquilamente.

Schlendrian:
Nem ficarás na janela,
e não verás ninguém que lá fora passa!

Liesgen:
Tudo bem, mas por favor,
deixa-me o café!

Schlendrian:
Nem tampouco te darei
uma argola de ouro ou prata
para prender o lenço em tua cabeça!

Liesgen:
Bem, bem, mas deixa-me o meu gosto!

Schlendrian:
Liesgen caprichosa,
então cederá em tudo?

Aria (baixo)

Schlendrian:
As moças teimosas
não são fáceis de convencer.
Mas, se se encontra uma maneira,
ah! Se pode conseguir!

Recitativo (baixo e soprano)

Schlendrian:
Farás o que teu pai diz!

Liesgen:
Tudo, menos sobre o café.

Schlendrian:
Bem, então terás de resignar-te
em nunca ter jamais um marido.

Liesgen:
Ah, pai, um marido?

Schlendrian:
Juro que não o terás.

Liesgen:
Até que eu não deixe o café?
Então o deixarei para sempre!
Ouça, pai, não tomarei mais.

Schlendrian:
Então sim, terás um marido.

Aria (soprano)

Liesgen:
Hoje mesmo,
querido pai, o dê-me!
Ah, um marido!
Isto sim que me convêm!
Ah, se em breve
em lugar do café
antes de ir deitar-me,
tivesse um galante enamorado!

Recitativo (tenor)

Narrador:
Agora o velho Schlendrian vai buscar
da maneira que para sua filha
rapidamente possa encontrar uma esposo.
Mas Liesgen em segredo disse:
Nenhum noivo entrará nesta casa
se antes não me promete,
no contrato matrimonial escrito,
que me será permitido
preparar café quando desejar.

Coro (terceto: soprano, tenor e baixo)

Todos:
O gato não deixa os ratos
e às jovens agrada o café.
A mãe ama o café,
a avó também o toma,
quem culpará a filha?