Por Fernando Rodrigues Batista
"O desarraigo é a enfermidade mais maligna das sociedades humanas”.
Simone Weil
"O desarraigo é a enfermidade mais maligna das sociedades humanas”.
Simone Weil
Conforme acentuou Jean Ousset, a revolução está em todas as coisas: nas coisas do espírito, da cultura, da religião. Em todas elas a Revolução dissolve tudo o que pode ser substancia de verdade e não conserva mais que o aspecto superficial, o aspecto evolutivo, o aspecto perpetuamente cambiante – e, portanto, ‘contestável’ -, dos seres e das coisas.
Frente a esta cultura, contra esta cultura, temos em primeiro lugar, temos acima de tudo, que opor a paixão pela verdade, condição elementar do amor ao bem e persecução incansável do belo.
Nesse sentido, reputamos indispensável consoante vaticinou Louis Daujarques, recobrar aquela prudência, que não é a de ontem nem a de amanhã, senão de sempre, e talvez voltemos a encontrar nesses caminhos eternos muitos mestres de seu tempo. A ela corresponde fazer brilhar novamente e dar vida a Bourget, a Barres, a Daudet como a Claudel, a Bernanos e a Péguy, a Chesterton e a Saint-Exupéry.
Hoje estamos presenciando, segundo Gustave Thibon, a agonia da Cidade dos homens. O liberalismo, ao isolar os indivíduos, e o estatismo, ao reagrupá-los em vastos conjuntos artificiais e anônimos, transformaram a sociedade em um imenso deserto cujas cegas areias são arrebatadas nos torvelinhos do vento da história. E o homem, vítima deste fenômeno de erosão, não tem já morada no espaço (se vê, ao mesmo tempo, na prisão e no desterro), nem ponto de referencia em um tempo pelo que corre cada vez mais depressa sem saber aonde vai. Assim, o homem "perde o essencial sem dar-se conta do que perdeu”. (Saint-Exupéry)
Em um mundo que se faz deserto, como aludia o próprio Saint-Exupéry, dominado por tecnocratas, ou pela governança, tema tão afeito aos pensadores espanhóis como o saudoso Juan Vallet de Goytisolo, Dalmacio Negro e Miguel Ayuso, se faz necessário trazer novamente à tona uma filosofia do arraigo.
Arraigar significa criar raízes. Se observarmos a natureza humana, a necessidade de criar raízes é patente. O homem é um ser inteligente, não pode tomar as coisas que lhe rodeiam como um animal ou qualquer outro ser que se move somente pelos instintos. Necessita encontrar o sentido das coisas, transcender para além de sua mera aparência; necessita também dar um sentido à sua vida, de tal modo que o homem não pode desenvolver-se plenamente em uma sociedade com a qual não se identifica, com a qual não tenha nenhum laço e que ao mesmo tempo lhe impossibilite de criar laços permanentes com as coisas ao seu entorno. Assim, como faz notar Rafael Gambra, o homem vem a ser entrega e intercambio com a sociedade ao seu entorno, assim cria suas raízes. Raízes familiares, ideológicas, patrimoniais. Essas raízes são como o tecido que forma a vida de um homem e que permanece uma vez que ele desapareça. Quando o homem nasce, não nasce isolado. Nasce em um entorno determinado, de pais determinados, e herda uma bagagem de costumes, idéias, caracteres etc. Como bem frisou Juan Vallet de Goytisolo, seguindo a esteira de Francisco Elias de Tejada, o homem é herdeiro, não só pelo sangue, senão também por uma série de aquisições de ordem moral, intelectual e material. Esta herança, estes conhecimentos em profundidade, que recebe o homem como fruto de experiências de gerações anteriores, os vem obtendo primordialmente da família e nas entidades humanas menores intermediárias, em forma de tradições adequadas ao meio natural onde se encontra arraigado. Costumes que encarnam saberes herdados, dotando-os de penetração e de pressão social para dar-lhes firmeza e eficiência.
Como sublimemente ensina Simone Weil, o arraigo é talvez a mais importante e talvez a mais desconhecida necessidade da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. Um ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade real, que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do porvir. Participação natural, produzida automaticamente pelo lugar, o nascimento, a profissão, o entorno. Cada ser humano tem necessidade de ter múltiplas raízes. Tem precisão de receber quase a totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos ambientes que naturalmente forma parte.
E é por isso que, como preconizou Rafael Gambra em seu livro “El silencio de Dios”, cabe conceber a vida humana como uma criação de laços (cognoscitivo, volitivos, ativos), entre o Eu e as coisas. Tais laços são, para o sujeito, compromissos (engagements), e a respeito das coisas (apprivotsement). Cada homem vem a fazer o seu próprio mundo, sua vida; e as coisas se fazem assim substância humana. Deste modo, a Cidade – o habitáculo humano – há de ser criada pelo que Saint-Exupéry chama o fervor, isto é, o esforço e a entrega guiados pelo amor, em cuja obra o sujeito intercambia sua vida com sua criação e esta lhe sobrevive e fecunda e alberga a vida dos que lhe seguirão.
Pelo contrário, continua Rafael Gambra, pelo desarraigo perde o homem ‘o bem mais profundo, aquilo que constitui propriamente sua existência de homem: o laço misterioso e cordial com as coisas de seu mundo, pelo qual estas se fizeram valiosas para ele e outorgam arraigo e sentido para a sua vida. O empobrecimento da personalidade, a trivialização dos desejos e a massificação humana são suas conseqüências visíveis.
“Os laços afetivos que unem o homem de hoje com os seres e as coisas, são tão pouco sensíveis, tão pouco densos que não se sente sua ausência como antes”, disse Saint-Exupéry em “Carta a um refém”.
O homem se identifica com as coisas concretas que o rodeiam, de tal modo que não as pode substituir por nenhuma outra, por muito parecida que seja. É o que tão admiravelmente expressa Saint-Exupéry na conversa da raposa com o pequeno príncipe, aonde conclui dizendo: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.” “Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.” “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
É por isso que o homem pode chegar a morrer por estas coisas que o rodeiam, porque a perda delas, uma vez que convertida em raízes, significam para ele mais que a própria vida. O ideal, pois, para um pleno desenvolvimento do homem, seria uma sociedade que fomentasse a criação desses vínculos. E, sem embargo, vemos que todas as teorias políticas modernas fomentaram exatamente o contrário.
Faz já algum tempo uma autora lembrou que um famoso poeta descreveu a sociedade atual com a seguinte frase: “Um mundo como uma arvore destroçada, uma geração desarraigada, uns homens sem mais destino que escorar ruínas...”, e salientou que a nós corresponde lutar para que, com a ajuda de Deus, se converta no ideal que descreveu Saint-Exupéry em sua Cidadela: “Comunidade de laços, de lembranças, de esperanças, onde cada passo e cada tempo têm seu sentido”.
Frente a esta cultura, contra esta cultura, temos em primeiro lugar, temos acima de tudo, que opor a paixão pela verdade, condição elementar do amor ao bem e persecução incansável do belo.
Nesse sentido, reputamos indispensável consoante vaticinou Louis Daujarques, recobrar aquela prudência, que não é a de ontem nem a de amanhã, senão de sempre, e talvez voltemos a encontrar nesses caminhos eternos muitos mestres de seu tempo. A ela corresponde fazer brilhar novamente e dar vida a Bourget, a Barres, a Daudet como a Claudel, a Bernanos e a Péguy, a Chesterton e a Saint-Exupéry.
Hoje estamos presenciando, segundo Gustave Thibon, a agonia da Cidade dos homens. O liberalismo, ao isolar os indivíduos, e o estatismo, ao reagrupá-los em vastos conjuntos artificiais e anônimos, transformaram a sociedade em um imenso deserto cujas cegas areias são arrebatadas nos torvelinhos do vento da história. E o homem, vítima deste fenômeno de erosão, não tem já morada no espaço (se vê, ao mesmo tempo, na prisão e no desterro), nem ponto de referencia em um tempo pelo que corre cada vez mais depressa sem saber aonde vai. Assim, o homem "perde o essencial sem dar-se conta do que perdeu”. (Saint-Exupéry)
Em um mundo que se faz deserto, como aludia o próprio Saint-Exupéry, dominado por tecnocratas, ou pela governança, tema tão afeito aos pensadores espanhóis como o saudoso Juan Vallet de Goytisolo, Dalmacio Negro e Miguel Ayuso, se faz necessário trazer novamente à tona uma filosofia do arraigo.
Arraigar significa criar raízes. Se observarmos a natureza humana, a necessidade de criar raízes é patente. O homem é um ser inteligente, não pode tomar as coisas que lhe rodeiam como um animal ou qualquer outro ser que se move somente pelos instintos. Necessita encontrar o sentido das coisas, transcender para além de sua mera aparência; necessita também dar um sentido à sua vida, de tal modo que o homem não pode desenvolver-se plenamente em uma sociedade com a qual não se identifica, com a qual não tenha nenhum laço e que ao mesmo tempo lhe impossibilite de criar laços permanentes com as coisas ao seu entorno. Assim, como faz notar Rafael Gambra, o homem vem a ser entrega e intercambio com a sociedade ao seu entorno, assim cria suas raízes. Raízes familiares, ideológicas, patrimoniais. Essas raízes são como o tecido que forma a vida de um homem e que permanece uma vez que ele desapareça. Quando o homem nasce, não nasce isolado. Nasce em um entorno determinado, de pais determinados, e herda uma bagagem de costumes, idéias, caracteres etc. Como bem frisou Juan Vallet de Goytisolo, seguindo a esteira de Francisco Elias de Tejada, o homem é herdeiro, não só pelo sangue, senão também por uma série de aquisições de ordem moral, intelectual e material. Esta herança, estes conhecimentos em profundidade, que recebe o homem como fruto de experiências de gerações anteriores, os vem obtendo primordialmente da família e nas entidades humanas menores intermediárias, em forma de tradições adequadas ao meio natural onde se encontra arraigado. Costumes que encarnam saberes herdados, dotando-os de penetração e de pressão social para dar-lhes firmeza e eficiência.
Como sublimemente ensina Simone Weil, o arraigo é talvez a mais importante e talvez a mais desconhecida necessidade da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. Um ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade real, que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do porvir. Participação natural, produzida automaticamente pelo lugar, o nascimento, a profissão, o entorno. Cada ser humano tem necessidade de ter múltiplas raízes. Tem precisão de receber quase a totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos ambientes que naturalmente forma parte.
E é por isso que, como preconizou Rafael Gambra em seu livro “El silencio de Dios”, cabe conceber a vida humana como uma criação de laços (cognoscitivo, volitivos, ativos), entre o Eu e as coisas. Tais laços são, para o sujeito, compromissos (engagements), e a respeito das coisas (apprivotsement). Cada homem vem a fazer o seu próprio mundo, sua vida; e as coisas se fazem assim substância humana. Deste modo, a Cidade – o habitáculo humano – há de ser criada pelo que Saint-Exupéry chama o fervor, isto é, o esforço e a entrega guiados pelo amor, em cuja obra o sujeito intercambia sua vida com sua criação e esta lhe sobrevive e fecunda e alberga a vida dos que lhe seguirão.
Pelo contrário, continua Rafael Gambra, pelo desarraigo perde o homem ‘o bem mais profundo, aquilo que constitui propriamente sua existência de homem: o laço misterioso e cordial com as coisas de seu mundo, pelo qual estas se fizeram valiosas para ele e outorgam arraigo e sentido para a sua vida. O empobrecimento da personalidade, a trivialização dos desejos e a massificação humana são suas conseqüências visíveis.
“Os laços afetivos que unem o homem de hoje com os seres e as coisas, são tão pouco sensíveis, tão pouco densos que não se sente sua ausência como antes”, disse Saint-Exupéry em “Carta a um refém”.
O homem se identifica com as coisas concretas que o rodeiam, de tal modo que não as pode substituir por nenhuma outra, por muito parecida que seja. É o que tão admiravelmente expressa Saint-Exupéry na conversa da raposa com o pequeno príncipe, aonde conclui dizendo: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.” “Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.” “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
É por isso que o homem pode chegar a morrer por estas coisas que o rodeiam, porque a perda delas, uma vez que convertida em raízes, significam para ele mais que a própria vida. O ideal, pois, para um pleno desenvolvimento do homem, seria uma sociedade que fomentasse a criação desses vínculos. E, sem embargo, vemos que todas as teorias políticas modernas fomentaram exatamente o contrário.
Faz já algum tempo uma autora lembrou que um famoso poeta descreveu a sociedade atual com a seguinte frase: “Um mundo como uma arvore destroçada, uma geração desarraigada, uns homens sem mais destino que escorar ruínas...”, e salientou que a nós corresponde lutar para que, com a ajuda de Deus, se converta no ideal que descreveu Saint-Exupéry em sua Cidadela: “Comunidade de laços, de lembranças, de esperanças, onde cada passo e cada tempo têm seu sentido”.