domingo, 7 de junho de 2020

Diálogos quarentenais II

Entre os dias pandêmicos que se passam, o sentimento que flui entre muitos e favorecido por toda a infraestrutura do mundo moderno é de que só se morre da doença hoje em voga. Durante um pequeno transe ilusório, esquecem-se que para morrer basta estar vivo, independente da causa, é Deus quem decide a hora e o local, e também o como e o porquê. Digo pequeno transe pois este desfalece assim que sabemos da morte de alguém por motivos diversos, que aliás são muito mais comuns do que por motivos da tal doença pandêmica. Tal aconteceu durante os últimos dias, quando soube da morte de um Sr. da região, conhecido nos meios políticos e financeiros, e ainda jovem. Encontrou o seu único mal irremediável, aquilo que nos une a todos num só rebanho de condenados, a morte, em um acidente de carro. A confusão atual é tanta, que para a mente embebida dos alertas midiáticos e pavor universalizado pela OMS parece até inconcebível alguém morrer assim em uma pandemia. Mas, morre. Lembremos que a morte está à espreita, doentes ou não doentes, estamos sujeitos à ela a qualquer momento.

Conversando com um amigo conhecido do falecido, soube que aquele tinha proximidade de um movimento espírita e esotérico e ainda um fato que arrepiou-me:

- Parece que suas últimas palavras foram: "o motorista estava contando... dinheiro".

Por qual motivo um homem morre assim? De que modo pronunciou estas palavras? O que queria dizer com isso? Queria apenas alertar as autoridades do verdadeiro culpado do acidente? Estava preocupado com as quantias financeiras no veículo? Todas estas perguntas passam por um relance na mente, uma seguida da outra e nenhuma resposta é possível. O que me parece claro é que não foram últimas palavras que se sonham dizer. Passamos a vida nos preparando para nossos últimos momentos, consciente ou inconscientemente pensamos e planejamos o que diremos em nossa agonia. É a nossa hora, a nossa hora final neste vale de lágrimas. Como questionava Otto Lara Resende: "O que é a arte senão essa necessidade de dizer as últimas palavras?". De fato, pode-se dizer que as últimas palavras de um homem, quando se pode pronuncia-las e com sanidade, são importantíssimas e geralmente refletem toda a sua vida e o seu destino iminente. Todas estas reflexões fizeram-me concluir:

- Creio que algo é certo, meu amigo: a regra é morrer como se vive. Exceções há, mas são raras. Uma conversão, uma penitência final, uma mudança de vida na hora da morte é um milagre. Mas a regra é morrer como se vive. Lembro-me de certa vez ouvir de um padre que a única solução é levar uma vida católica, e nada mais. Assim se poderá morrer bem, com a graça de Deus. Portanto, se alguém leva má vida, não hesite em procurar mudar, do contrário, com grande chance morrerá mal.

E as últimas palavras daquele homem ainda ressoavam em mim...

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Diálogos quarentenais

Pelas madrugadas da quarentena é comum encontrarem-se conversas virtuais entre amigos e numa das tantas, tal questionamento surgiu:

- "Em muitos tradicionalistas vejo uma atenção ao liberalismo como o maior dos inimigos da Cristandade. Mesmo no momento atual, onde o mundo sofre com problemas como o ambientalismo, o globalismo, o comunismo, etc. Então por que insistem tanto em lutar contra o liberalismo e não empregam o melhor de seus esforços, com mais senso de oportunidade, contra esses outros inimigos? E ainda mais, nessa luta, por adotarem postura anticapitalista, acabam fazendo frente ampla com a esquerda."

Creio na boa intenção da questão, pois, em um olhar superficial parece mesmo uma lógica correta, afinal padecemos atualmente de muitos inimigos com maior tateabilidade aparente do que o longínquo conceito de liberalismo. Mas, afinal, qual era mesmo o conceito de liberalismo? Lembremos que o Padre Sardà y Salvany, no seu clássico sobre o tema, nos ensina que o liberalismo é tão vasto que será encontrado desde a taberna até as cortes, passando pelas universidades, jornais, associações e museus de arte. Deste modo, tomando a  corajosa iniciativa de elucidar um conceito tão vasto, o padre espanhol esclarece e estabelece o Liberalismo como sendo um conjunto de idéias falsas e fatos criminosos que parte da absoluta soberania do indivíduo com inteira independência de Deus e da sua autoridade, tornando-o "o Mundo de Lúcifer [...], em radical oposição e luta com a sociedade dos filhos de Deus, que é a Igreja de Jesus Cristo".

Tendo tal conceito radical vivo em nosso intelecto, podemos afirmar com convicção que a luta contra o liberalismo não impede ou atrapalha a luta contra qualquer outro mal. Ao contrário, a potencializa, pois prepara-se para lutar contra males secundários conhecendo suas causas primárias que é o liberalismo. Uma luta muito mais eficaz. Lutar contra o comunismo, muitos lutam. Mas com quais frutos um liberal maçom luta contra o comunismo? Com quais frutos um modernista liberal preocupado com seus rendimentos financeiros luta contra o comunismo? No entanto, um católico anti-liberal, este sim, dará bons frutos na luta contra o comunismo e quaisquer outros males. Pois, estará bem preparado.

Ademais, nunca conheci nenhum anti-liberal que não lute contra todas essas bandeiras também, quando necessário. Também não conheço nenhum combatente contra o capitalismo entre os católicos anti-liberais que conheço. É inútil abordar essa questão neste momento. É um mal menor e pronto.

Querer abandonar a luta contra o liberalismo é justamente o motivo de estarmos aqui hoje, no caos reinante. Muitos inimigos existem, muitos existiram, e muitos nascerão, seja o ambientalismo, comunismo, globalismo, etc, e todos terão raízes no liberalismo. Corte a cabeça de um e nascerão dois. Por isso deixaremos de cortar cabeças? Não. Mas, temos que ser espertos o suficiente para atacar também o coração dos problemas.

Acredito inclusive que muitos desses problemas podem ser até criados para perdermos certo tempo e energia com eles, ao invés de um combate mais frutuoso contra as raízes da corrupção e da decadência do mundo moderno: o liberalismo.

Pe. Henry Le Floch
Um exemplo interessante a ser lembrado: Mons. Marcel Lefebvre esteve no seminário durante a década de 1920. Revolução bolchevique e ideias revolucionárias marxistas eram os assuntos nessa época. E Mons. Lefebvre deixa claro que a total diferença na sua vida de seminário foi a formação anti-liberal que recebeu do Pe. Le Floch. Note-se, não foi anti-comunista, e sim anti-liberal. Foi isso que preparou Mons. Lefebvre para lutar com bravura com tantos outros inimigos que sequer tinham forma clara e conhecida na década de 1920, mas que surgiriam com força jamais vista na década de 1960. Devemos tudo que de Católico nos resta hoje ao vigoroso e tenaz espírito anti-liberal de Mons. Lefebvre.