Hélio Drago Romano (1923 a 2009), engenheiro de Telecomunicações pelo IME e doutor pela Unicamp. Foi membro do Centro Dom Vital e colaborador da Revista Permanência.
Anotação extraída de seu livro: "Os amigos me ensinaram", ed. Permanência, 2002.
É o "cogito ergo sum" o ponto de partida da filosofia cartesiana. Não é aceitável fazer o pensamento proceder o ser. O ser precede o pensar. Expressa Santo Agostinho o correto "cogito": "sei que sou, logo penso".
O ser (o ser, propriamente, "simpliciter", é espiritual) é autoconsciente. Têm consciência de seu ser e de seu pensar os entes espirituais finitos. Em Deus, porém, identificam-se, em sua unidade de simplicidade, ser e pensar.
Como teria Descartes, geneticamente, chegado a seu "point de dèpart" e dele deduzido sua filosofia?
Constitui Euclides a geometria a partir de postulados; suas anteriores meditações, em que participariam a ciência anterior e sua própria experiência, não conhecemos.
No eletromagnetismo já haviam sido formuladas as leis de Ampère e de Faraday empiricamente, quando foram formuladas as equações de Maxwell. A partir daí poderá desenvolver-se uma axiomática, que, considerando-as postulados, delas deduza as diversas relações matemáticas que descrevem os fenômenos eletromagnéticos.
Qual seria a eurística de Descartes que o conduziu a seu "cogito"? A dúvida universal? Se duvidou de tudo, de todas as coisas, de algum modo conhecia alguma coisa. Não seria para ele um conhecimento certo, mas existia.
Desse conhecimento lançado à dúvida e rejeitado emergiu o "cogito". Pode o cogito representar a primordial consciência de ser, do eu; pode o sujeito eu comum ao sum e ao cogito corresponder ao eu sujeito dos atos intencionais, tal como "eu conheço o objeto", "eu amo a verdade", onde o eu não é intencional, mas sujeito exercido. Nisso, o eu (que pressupõe o sum) e a intencionalidade (eclipsada no cogito) recebem os diplomas de certeza e de veracidade devidos à primordial intuição do ser. Garantia de que será estendida às idéias supostas claras, procedentes da intencionalidade, mas declaradas por Descartes infusas. Daí prosseguirá o dedutivo ontologismo do método cartesiano.
Descartes identificava a substância com o ente. Aceitável até certo ponto, por ser a substância o ente simpliciter e os acidentes secundum quid.
As substâncias, excetuada a infinita, Descartes separava-as em duas realizações, entre si irredutíveis: a "res cogitans" e a "res corporea". Não seria o homem a composição de alma e corpo, mas a justaposição dessas duas substâncias.
A propriedade fundamental de "res cogitans" seria o pensamento; das "res corporea", a extensão.
Vê Descartes as "res" pelas suas propriedades. Fica seu universo povoado por "pensantes" e "extensos".
Estabelece-se a dicotomia: ente = substância = pensante, e ente = substância = extenso.
Para o primeiro caso: "cogito ergo sum".
Para o segundo caso: (poderia por simetria atribuído) "extendo ergo sum".
Como, porém, o extenso nem sequer duvida, propõe, fica um tanto suspensa a certeza da existência do mundo corpóreo. Instala aí Kant uma de suas pretensiosas antinomias.
O ontologismo radical de Descartes, patriarca do idealismo do empirismo da filosofia subseqüente, fornecerá a prova da realidade do mundo corpóreo. São deduzidos do pensamento Deus e o mundo: as idéias claras, por serem claras, são verdadeiras. Deus, a idéia mais clara, é a máxima verdade; por ser Deus verdadeiro, garante a verdade das idéias claras e também da realidade do mundo.
Pretende Descartes escapar ao "círculo" atribuído às idéias claras a verdade subjetiva, e a Deus a objetiva (Meditações 5, 6).
Embora a coisa sensível seja o objetivo próprio da inteligência humana, o sábio Descartes, para assegurar a verdade desse conhecimento, precisou de um deus ex machina.
"Ubi sapiens? [...] Nonne stultam fecit Deus sapientia ejus mundi?" (ICor I, 20).
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