Excelente e comovedora comédia muda onde se observa uma
eficaz e cuidadosa postura em cena, e um ritmo de montagem ajustado que fazem com que este filme não envelheça em absoluto, mesmo após mais de oitenta anos de sua
realização. É claro que Hitchcock já sabia o que fazia.
A história é simples: depois de enviuvar e ficar só devido ao
casamento de sua única filha, um fazendeiro, ajudado por sua criada, começa uma
busca por uma esposa. Seleciona quatro mulheres do lugarejo, uma pior que a
outra: uma obesa viúva “independente”; uma feia com ataques de histeria que
prefere continuar sendo solteirona; uma obesa infantil e instável; e a vulgar
dona de uma taverna. O fazendeiro (James Thomas) é um homem nobre, elegante e
bem tido, e mesmo assim é recusado pontualmente por cada uma das quatro
candidatas, às quais o fazem passar por ridículo e perder seu próprio respeito.
Finalmente, o fazendeiro acaba por descobrir que a única mulher que vale como
mulher e esposa é sua criada Minta (Lilian Hall-Davies), a qual lhe dedicava um
secreto e doce afeto.
A história em si não parece muito hitchcoquiana, porém já
veremos o que ela traz. Está embasada em uma valiosa obra teatral de Eden
Phillpotts, porém Hitchcock lhe agregou cenas verdadeiramente humorísticas, mas
que ainda não perdem seu afeto (sobretudo se alguém vê o filme sem a inadequada
música que os editores de vídeo adicionaram, que é mais própria de um drama
obscuro do que de uma brilhante comédia como esta. Assim, sem música podemos
apreciar melhor o filme, graças a Deus). As cenas em questão são aquelas onde
participam os serventes (papel destacado para Gordon Harker), que acabam por
serem tratados da mesma forma que os patrões. Quase todos os personagens são
peculiares, e a festa que se nos mostra é verdadeiramente “a festa inesquecível”
(referência ao filme ‘La fiesta
inolvidable’ com Peter Sellers, de 1968, no Brasil conhecido como “Um convidado bem trapalhão”), um meio
pelo qual Hitchcock se compadece em desfazer as aparências que os personagens
querem apresentar, falsidade que nosso diretor gostava de derrubar, como também
fazia na vida real, com suas famosas piadas. Porém, colocados fora deste quadro de
situação, estão Minta, a criada do fazendeiro Sweetland, e o mesmo fazendeiro, que só
faz ‘comédia’ involuntariamente quando se põe a cortejar torpemente as
mulheres.
E a propósito delas: “Como são as mulheres hoje em dia?”,
pergunta Minta afinal, quando seu patrão regressa desconsolado, logo depois da
última e cruel recusa. Pergunta que poderíamos nos fazer com maior razão, hoje. Pergunta que formulada por aquela mulher resulta em uma condenação inapelável ao
resto das mulheres que não estiveram à altura das circunstâncias, indignas de
serem esposas e, pelos mesmos egoísmos, indignas de serem chamadas mulheres. Recordamos a Santo Agostinho: “As
esposas humildes seguem o Cordeiro mais facilmente que as virgens soberbas” (A
Santa Virgindade 51, 52).
Minta é a única mulher com autoridade para dizer aquilo,
pergunta que provavelmente passou também pela mente e coração atribulados de
Sweetland. Claro que Minta disse isto com dor e tristeza, com verdadeira
compaixão, essa que nasce do amor. E aqui, no descobrimento por parte do
fazendeiro de que essa que sempre esteve ao seu lado, é quem deve ser sua
esposa, e nesta mesma cena que lhe descobre, com a merecedora como símbolo
deste lugar único de possessão e com as sobre-impressões que existem no
pensamento do fazendeiro, neste momento se entende a serena visão do jovem
Hitchcock, de quem sua criada então, Mary Condon, em sua casa de campo deu uma
visão muito diferente da que levavam as estrelas do cinema: “Uma não desejaria
conhecer um cavalheiro mais educado e mais bom católico também. Cada domingo ia
à Missa no Seminário de São João em Wonersh, perto de Guildford” (cit. Por Donald
Spoto em sua negligente biografia de A. Hitchcock). Uma espécie de fazendeiro,
o jovem Hitchcock, que logo teria sua mulher.
Passemos ao tema dos olhares dos personagens. O olhar do
fazendeiro se equivocou uma e outra vez. Sweetland esteve olhando e imaginando
coisas, no terreno tão movediço e fantasioso do amor. Teve de passar por todo
ele, e ao fim desenganar-se para se dar conta de que não havia visto o que
buscava, que estava cego. Também devemos dizer que a forma que esta mulher,
Minta, nos é revelada, acontece delicadamente através dos detalhes e sem
necessidade de destacar o que por nós mesmos podemos ir construindo ao longo do
filme. Penetração psicológica e comportamento desta mulher que já sabe o que é
ser uma esposa ainda antes de chegar sê-lo. De caráter fiel e firme, serviçal e
bondosa, diligente e simples, também bela, sabia administradora da casa e dócil
a seu senhor, é verdadeiramente digna de ser chamada “the farmer’s wife”.
Então, ela, Minta, era mostrada como uma exceção ante o ‘mostruário’
feminino que se apresentava ao homem, que por sua própria boca se perguntava: “como
são as mulheres hoje em dia?”, não pensemos o que hoje receberíamos como resposta.
Tristemente a realidade nos diz sem a necessidade de intermediários. Como muito
bem nos diz, ao final do filme: “E se alguém conhece à uma mulher com um
coração mais bondoso, uma franqueza mais firme, e um caráter mais nobre,
quisera eu conhecê-la.”
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