O visitante que percorre as galerias de um grande museu de arte ocidental admira, século após século, o esforço criador dos retratistas empenhados em embelezar a forma do homem e sua face, em que se inscreve a vocação da pessoa para a inteligência e para a beleza.
Giovanni Arnolfini e sua esposa - Jan Van Eyck, 1434 - National Gallery, Londres |
Tudo muda, uma vez ultrapassado o limiar do museu de arte contemporânea. A forma e a figura do ser humano se desagregam; pela magia de uma operação diabólica, os traços se decompõem, os olhos, a boca, o nariz, a testa, as orelhas rompem sua aliança milenar e se dispersam ao acaso num espaço aberrante em que não se reconhecem mais os contornos familiares. As cores são afetadas por uma exasperação maníaca, ou por vezes por uma pustulência cadavérica.
O Homem das Sete-Cores - Anita Malfatti, 1915 |
Estas ruínas de sentido, estes restos de humanidade se perderam por sua vez e se vêem aparecer telas cheias de formas geométricas, de manchas coloridas, dispersas ao acaso sobre uma superfície onde mais nada de humano persiste, onde nenhuma vontade inteligível se deixa ler. A arte, que foi celebração e comemoração da realidade humana, apaga-se na negação desta realidade, deserto de significação em que nada mais merece ser posto em destaque. Os visitantes do museu de arte contemporânea desfilam gravemente diante dessas telas; ninguém protesta, ninguém se encoleriza. Talvez viessem a este lugar impelidos apenas pelo esnobismo e pela tolice que admira sem compreender. Mas talvez sintam obscuramente que estão aqui confrontados com o atestado irrefutável de sua própria negação.
(Georges Gusdorf - A Agonia da Nossa Civilização)
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