segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Hollywood - ou porque o bosque de azevinhos não foi o bosque sagrado - (I)


Há uma visão extremamente reducionista das coisas que alimenta dois erros com respeito à Hollywood, a chamada por alguns “Meca” do cinema. A primeira visão, extremamente cética, encontra em tudo o que ali se fez o condenável, pernicioso, corrupto e pestífero, sem distinguir matizes e sem ver que houve exemplos de filmes “não-hollywoodenses” que saíram das mesmas entranhas de Hollywood, ainda que sem apoio massivo, e como simples derivados de uma grande industria comercial que podia permitir-se tais luxos, ainda que sem uma negação formal e explicita das idéias dominantes nos Estados Unidos. Para estes Hollywood é – ou melhor, foi, porque hoje só resta o cartelzinho e o suposto “glamour” dos palavreados – uma cloaca da qual não podiam sair se não excrescências do liberalismo e paganismo que conquistam o mundo. É inegável que em geral não se equivocam quando vemos o curso que as coisas tomaram a partir da ordem instaurada desde o final da Segunda Guerra Mundial, na qual e desde a qual houve a padronização oficial ecumênica pelo cinema norte-americano, apesar de sua variedade superficial. Não obstante, esta visão não pode encerrar-se em si mesma sem ser injusta com muitos valores resgatáveis em meio à produção de tantos filmes. Porque, além do mais, Hollywood dependia da demanda e recepção de um publico em uma sociedade norte-americana que ainda conservava o senso comum, onde a Igreja católica estadounidense – que sempre foi liberal – foi muito poderosa para influenciar em questões de índole moral, em um povo nascido e marcado pelo puritanismo protestante, ainda não degradado como nestes tempos de absolutas “liberdades”. A profusão de talentos e idéias e sua possibilidade de recepção nesse universo em que aparece os Estados Unidos permitiam a elaboração de certas visões não uniformizadas ou laterais a respeito da mentalidade que se terminou impondo-se a partir de meados dos anos 60.

A segunda visão, de marca oposta, também realiza uma simplificação, como que opondo-se dialeticamente à primeira. É aquela que postula uma visão amena ou sonhadora de Hollywood, onde desde os grandes estúdios se havia sustentado uma visão do mundo oposta ao “american way of life” dos WASP (ndt: White, Anglo-Saxon and Protestant, sigla que corresponde a “branco, anglo-saxão e protestante”, definição pejorativa dada de forma generalizada a maior parte da população norte-americana), devido a que em Hollywood os que decidiam eram os judeus associados a católicos. Esta postura afirma que “o cinema norte-americano, sobretudo em sua etapa clássica, foi uma cunha em relação à visão política, econômica, cultural e sobretudo religiosa no que chamamos forma de vida estadounidense. E esta é o paradoxo: Hollywood, sobretudo em sua etapa clássica, não participou do “modo de vida norte-americano”. O mesmo crítico que sustenta este ponto de vista sustenta que da mesma forma que há uma lenda negra sobre a Conquista espanhola da América, assim também havia uma “lenda negra” a respeito de “Hollywood”. Veremos logo a presteza de tal acerto, fundado principalmente em um erro religioso contaminado de liberalismo e em um desconhecimento acerca da verdadeira natureza ou identidade de poder.

O certo é que tanto uma como a outra posição pecam de simplistas e, de algum modo, cômodas para delimitar desde agora e para sempre um assunto que é muito mais complexo, quanto fascinante. Como dizia Chesterton: “devemos desconfiar da descrição de uma nação quando é uma descrição fácil. Se um povo pode ficar coberto por um só adjetivo, podemos estar seguros de que é um adjetivo equivocado.”

Veremos que isto a nosso entender não é nem lenda negra nem lenda branca sobre Hollywood. Nem dissolução romântica do poder ou descida de linha política, mas tampouco pólo de poder ou “contra-poder tradicional” dos produtores de Hollywood, que se não foram míopes a respeito de questões artísticas tampouco foram Príncipes mecenas do Renascimento. Trataremos de entender porque o “bosque de azevinhos” não foi nunca o pretendido “bosque sagrado”. Mas antes façamos um pouco de história.

Continua...

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