Por Flavio Mateos
Há uma visão extremamente
reducionista das coisas que alimenta dois erros com respeito à Hollywood, a
chamada por alguns “Meca” do cinema. A primeira visão, extremamente cética,
encontra em tudo o que ali se fez o condenável, pernicioso, corrupto e
pestífero, sem distinguir matizes e sem ver que houve exemplos de filmes
“não-hollywoodenses” que saíram das mesmas entranhas de Hollywood, ainda que
sem apoio massivo, e como simples derivados de uma grande industria comercial
que podia permitir-se tais luxos, ainda que sem uma negação formal e explicita
das idéias dominantes nos Estados Unidos. Para estes Hollywood é – ou melhor,
foi, porque hoje só resta o cartelzinho e o suposto “glamour” dos palavreados –
uma cloaca da qual não podiam sair se não excrescências do liberalismo e
paganismo que conquistam o mundo. É inegável que em geral não se equivocam
quando vemos o curso que as coisas tomaram a partir da ordem instaurada desde o
final da Segunda Guerra Mundial, na qual e desde a qual houve a padronização oficial
ecumênica pelo cinema norte-americano, apesar de sua variedade superficial. Não
obstante, esta visão não pode encerrar-se em si mesma sem ser injusta com
muitos valores resgatáveis em meio à produção de tantos filmes. Porque, além do
mais, Hollywood dependia da demanda e recepção de um publico em uma sociedade
norte-americana que ainda conservava o senso comum, onde a Igreja católica
estadounidense – que sempre foi liberal – foi muito poderosa para influenciar
em questões de índole moral, em um povo nascido e marcado pelo puritanismo
protestante, ainda não degradado como nestes tempos de absolutas “liberdades”.
A profusão de talentos e idéias e sua possibilidade de recepção nesse universo
em que aparece os Estados Unidos permitiam a elaboração de certas visões não
uniformizadas ou laterais a respeito da mentalidade que se terminou impondo-se
a partir de meados dos anos 60.
A segunda visão, de marca
oposta, também realiza uma simplificação, como que opondo-se dialeticamente à
primeira. É aquela que postula uma visão amena ou sonhadora de Hollywood, onde
desde os grandes estúdios se havia sustentado uma visão do mundo oposta ao “american way of life” dos WASP (ndt: White, Anglo-Saxon and Protestant, sigla que corresponde a
“branco, anglo-saxão e protestante”, definição pejorativa dada de forma
generalizada a maior parte da população norte-americana), devido a que em
Hollywood os que decidiam eram os judeus associados a católicos. Esta postura
afirma que “o cinema norte-americano,
sobretudo em sua etapa clássica, foi uma cunha em relação à visão política,
econômica, cultural e sobretudo religiosa no que chamamos forma de vida
estadounidense. E esta é o paradoxo: Hollywood, sobretudo em sua etapa
clássica, não participou do “modo de vida norte-americano”. O mesmo crítico
que sustenta este ponto de vista sustenta que da mesma forma que há uma lenda
negra sobre a Conquista espanhola da América, assim também havia uma “lenda
negra” a respeito de “Hollywood”. Veremos logo a presteza de tal acerto,
fundado principalmente em um erro religioso contaminado de liberalismo e em um
desconhecimento acerca da verdadeira natureza ou identidade de poder.
O certo é que tanto uma como
a outra posição pecam de simplistas e, de algum modo, cômodas para delimitar
desde agora e para sempre um assunto que é muito mais complexo, quanto
fascinante. Como dizia Chesterton: “devemos
desconfiar da descrição de uma nação quando é uma descrição fácil. Se um povo
pode ficar coberto por um só adjetivo, podemos estar seguros de que é um
adjetivo equivocado.”
Veremos que isto a nosso
entender não é nem lenda negra nem lenda branca sobre Hollywood. Nem dissolução
romântica do poder ou descida de linha política, mas tampouco pólo de poder ou
“contra-poder tradicional” dos produtores de Hollywood, que se não foram míopes
a respeito de questões artísticas tampouco foram Príncipes mecenas do
Renascimento. Trataremos de entender porque o “bosque de azevinhos” não foi
nunca o pretendido “bosque sagrado”. Mas antes façamos um pouco de história.
Continua...
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