quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Hollywood - ou porque o bosque de azevinhos não foi o bosque sagrado - (IV)

Pois bem, que o cinema norte-americano não foi materialista não significa que não foi liberal. Se o primeiro principio liberal é o da “absoluta soberania do indivíduo com inteira independência de Deus e de sua autoridade”, a comprovação que nos apresenta a ampla maioria dos filmes surgidos de Hollywood – mais além de ocasionais invocações de Deus- pode resumir-se em umas palavras de Pio XII: “Com freqüência a Deus não se nega, nem se lhe injuria nem se lhe blasfema; apenas Ele está ausente. A propaganda de uma vida terrestre sem Deus é aberta, contínua. Com razão se observou que geralmente, ainda nos filmes considerados moralmente irrepreensíveis, os homens vivem e morrem como se não existisse Deus, nem a Redenção, nem a Igreja. Não queremos colocarmos a discutir as intenções, mas não é menos verdadeiro que as conseqüências destas representações cinematográficas são já extensas e profundas”. Mais ainda e ao contrário desta impossibilidade, em muitíssimos casos nem sequer é dado advertir uma visão do diretor de onde mais além de seus personagens, ele se pode criar uma estrutura secreta que nos conduza a compreender uma Ordem na qual o homem não pode subtrair-se a Deus (como muito bem mostrou Hitchcock em seus filmes não explicitamente católicos; respeito a visão do cinema sobre o mistério e o transcendente ampliamos em outro capítulo deste nosso livro, como também o estudo ilustrado “La mirada de Alfred Hitchcock”).

David Wark Griffith, o gênio inventor do cinema.
Levou em si as contradições próprias do que dominou a América.

Voltamos à esta contradição que marcou desde seus começos o cinema estadounidense. Uma das mais claras e primeiras manifestações deste conflito e esta rápida utilização do cinema por parte do poder se pode ver no mesmo Griffith. Filho de um general derrotado na Guerra de Secessão, demonstrou seu claro destacamento à causa sulista com sua monumental obra magna, “O Nascimento de uma Nação” (1914). Sem dúvida, esta inocultável proposta “dixie”, esta superprodução de um derrotado não o impediu colaborar explicitamente com o vitorioso liberalismo maçom, como pode ver-se nas versões ingênuas e propagandísticas de “Hearts of the World” (filmada por expresso pedido de Lloyd George, primeiro ministro britânico durante a Primeira Guerra), “América”, “Abraham Lincoln”, ou  “Orphans of the Storm”. Se podia dar-se ao gosto de glorificar o Sul, de um modo romântico, superficial e encantador, não podia colocar em questão o caráter predestinado da América nem indagar acerca da verdade histórica, entre outras coisas do assassinato de Lincoln. Cremos que não foi até “O Nascimento de uma Nação” se não quando o poder político-economico dominante nos Estados Unidos advertiu e compreendeu o poder persuasivo do cinema – como o compreenderam por isso então os comunistas russos financiados pelos banqueiros norte-americanos (por certo, o quê até 1916 León Bronstein, mais conhecido como Trotsky, participando como extra de cinema na costa oeste?).

O crescimento dos grandes estúdios esteve ligado – coisa que nunca se disse mas resulta obviamente – com o financiamento dos bancos, muitos em mãos de seus paisanos (o primeiro em financiar a estes produtores em seus primeiros passos foi o Bank of America; logo Morgan e Rockefeller; Warner foi sustentado por Goldman, Sachs & Co.). Sem dúvida, não queremos simplificar dizendo que esta condição foi decisiva na hora de filmar um filme, desde já, se não que a orientação geral de uma grande estúdio diante de um feito importante (Guerra), educativo (História) ou tema influente (Religião) na sociedade, não podia resultar independente de semelhantes poderes que, o repetimos, se estavam fazendo por aqueles anos com o controle dos resortes mais importantes da economia norte-americana. Não ver isto e pretender que os magnatas dos estúdios não recebiam nenhum grau de influência por parte dos donos do poder econômico norte-americano é algo muito ingênuo.

Vale à pena deter-se aqui para confrontar certas proposições que sobre Hollywood foram vertidas por Ángel Faretta, em oposição à muito difundida opinião  de que o cinema de Hollywood veria a ser “o ópio dos povos”, coisa que negamos, pelo menos se vê em termos absolutos.

Continua...

sábado, 7 de setembro de 2013

Pátria

7 de Setembro de 2013
Viva a Nação Soberana Brasileira!


Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde
circulo! E sou perfume, e sombra, e sol e orvalho!
E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde,
e subo do teu cerne ao céu de galho em galho!

Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua fronde,
do ninho que gorjeia em teu doce agasalho,
do fruto a amadurar que em teu seio se esconde,
de ti, - rebento em luz e em cânticos me espalho!

Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes,
no alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!
E eu, morto, - sendo tu cheia de cicatrizes,

tu golpeada e insultada, ­ eu tremerei sepulto:
e os meus ossos no chão, como as tuas raízes,
se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!

Olavo Bilac

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Hollywood - ou porque o bosque de azevinhos não foi o bosque sagrado - (III)


Os Estados Unidos são um país contraditório desde sua natureza. Nasceu revolucionário, seus Pais Fundadores foram homens de bom sentido e virtudes naturais, mas de maus princípios. Protestantes puritanos e maçons que queriam construir um país com base na heresia, o qual é ir contra tudo o que é estável, e de per si contraditório. O mesmo Washington era um gentleman e revolucionário; tinha propriedades e escravos, e realizou uma revolução. Por um lado a honestidade e pelo outros a rebeldia, criando juntas uma tensão que sempre persistiria no país. Se trata da liberdade colocada antes da verdade. Estados Unidos é um país onde o Presidente norte-americano deveria ser chamado Rei, segundo Chesterton, pois a República norte-americana era a última monarquia medieval. E sem dúvida, este “Rei” obedecia a poderes ocultos que o transformavam em um lacaio daqueles que tomavam verdadeiramente as decisões. Estados Unidos é o país onde o homem do Sul, Lincoln, comenda o país do Norte durante a guerra civil. Foi neste país, onde o liberalismo estava comodamente aposentado, ocultando aparentemente essas contradições, de onde a nova vinda de imigrantes europeus fez pé. A idéia suprema da liberdade, a confiança no sistema democrático, a certeza de ser a “terra das oportunidades”, a pujança econômica e o naturalismo se faziam firmes no ideário do norte-americano médio. O poder econômico nas mãos dos banqueiros internacionais estava a ponto de acrescentar-se ao extremo de dominar por completo a União (isto ia dar-se em 1913 com a criação – fraudulenta – da Federal Reserve). A maçonaria e o poder judeu, os protestantes em inumeráveis seitas e os católicos se repartiam em diferentes proporções a seu grau de influência em uma sociedade dinâmica e em crescimento, em especial logo após a Primeira Guerra. Mas o problema é que o catolicismo norte-americano se comprometeu com o mundo naquilo que hoje se conhece como “americanismo”, traduzindo “sem mais tramite à vida diária dos católicos o “espírito americano” secular, que por sua vez deriva diretamente do puritanismo e do iluminismo inglês.” Era o modernismo religioso funcionando  com todos seus direitos e prerrogativas em uma sociedade “tolerante”. Os judeus, por sua parte, já incertos desde sua primeira vinda imigratória, se adaptaram como quase em nenhum outro lugar (melhor incluso que na Argentina), talvez porque, em opinião de Israel Shamir, encontraram no liberalismo imperante uma espécie de judaísmo secularizado.

Assim as coisas, se com o cinema surgiria a possibilidade de uma última linguagem contraditória dos postulados e formas de um mundo dessacralizado e anti-tradicional que se estendia com a crescente influência dos meios de comunicação, o domínio financeiro e, logo após, com as guerras, finalmente nessa luta se comprovou que essa mesma linguagem nova podia ser refinada mas à sua vez falsificada para muito sutilmente continuar e servir de base à guerra por outros meios. Colocando no terreno cultural, a supremacia mundial seria muito menos dificultosa. As contradições que forjaram a sociedade norte-americana se faziam presentes dentro de Hollywood.


Façamos uma parênteses antes de seguir. Há algo que disse Chesterton e que, como sempre, mais ainda mais que em referência a nosso tema, é matéria de reflexão: “É habitual condenar o estadounidense como um materialista por causa do culto ao êxito. Mas efetivamente este mesmo culto, como qualquer culto, ainda o culto do diabo, prova que, mais que um materialista, é um místico”. Isto nos leva a entender como e porque o cinema é algo que só pode surgir nos Estados Unidos e não na Europa. Nos referimos, neste caso, à herança que assumiu Griffith e os autores que a continuaram, antes que aos industriais que possibilitaram e explodiam suas conquistas. Nos referimos a esse sentido de culto cerimonioso e simbólico na forma de vincular-se à realidade (que Griffith como bom sulista possuía), um tipo de misticismo que, fora da necessária guia mestra da Igreja Católica, se terminou desviando não até o materialismo se não até um neo-paganismo que logo sim, em nossos tempos, abraçaria o aberrante e o incomunicável, previa degradação do sentido simbólico-ritual da vida. Enquanto a Europa se havia estancado em uma imobilidade própria de quem se submete à máquina, nos Estados Unidos a máquina foi submetida pelo homem que a tomou como objeto sobre o qual elevou seu dinâmico misticismo. O europeu se prostrou diante da máquina porque já não se prostrava diante de Deus. O americano não se prostrava diante da máquina porque seu misticismo culto do êxito lhe exigia movimentar-se. Mas também é certo que uma reverência residual do puritanismo e do catolicismo liberal tomou para si essa re-utilização da máquina para olhar o mundo como se este fosse jovem. Por tudo isto o cinema norte-americano pode re-introduzir a figura do herói e a épica, sem as quais o cinema não haveria sido o que foi. Pois agora, quê classe de herói ou arquétipo moldou Hollywood, isso é tema de outro capítulo de nosso livro.

O certo é que o materialista europeu esgotava sua visão no retângulo da tela fixa de Lumière e Mélies. O místico americano, ao contrario, não podia fixar-se quieto sem expandir sua visão mais além até o vasto horizonte. O êxito lhes pertencia. Desde logo, nem todo misticismo é bom. O culto do comércio espreitando à poesia criaria uma contradição que muitas vezes derivaria na insatisfação de ver estropiadas nobres qualidades adaptadas a um fórceps de felicidade final para assegurar o êxito. Essa dupla vertente do misticismo vinculava de uma forma com a vida através da fantasia, e de outra através da realidade. Isto é: a chamada “fabrica de sonhos” produzia filmes e obtinha dinheiro. Havia filmes que podiam chegar a vincular – com sua linguagem tributaria da tradição simbólica ocidental – com a realidade, e falamos da realidade metafísica; enquanto que o culto do puro êxito levava a evadir da realidade a quem desde os grandes estúdios corriam atrás do êxito e poder, mensurável em números de bilheteria e arrecadação. A força que lhe dava o misticismo ao cinema e à indústria norte-americanas levava consigo, como a alma dos Estados Unidos, uma tensão que não era paradoxo, se não uma falta de coesão que ao largo devia resolver-se e hoje resolveu-se. Mas esse é um tema posterior.

Continua...